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Dignidade para descontruir apagamentos

Ora com seus rostos exibidos ora cobertos de ausência, os trabalhos de Fátima Farkas denuncia o processo de invisibilidade de personagens pretos e suas trajetórias | Foto: Divulgação

O Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos (IPN), oficializado recentemente Patrimônio Cultural da cidade, celebra seus 19 anos com a exposição "Será o Benedito?", da artista visual Fátima Farkas e com curadoria de Mauro Trindade.

Com cerca de 32 telas impactantes, a mostra que será inaugurada nesta sexta-feira (10) traz à tona personagens marcantes das lutas raciais, muitos dos quais foram esquecidos devido à herança racista e patriarcal.

Farkas utiliza sua pintura expressiva para reconstruir a memória, utilizando-se de retratos fotográficos de negros. Um exemplo é Benedito Caravelas (1805-1885), também conhecido como Benedito Meia-Légua, líder de grupos quilombolas que libertavam escravos no Nordeste e no Espírito Santo. A artista se inspira em fotografias antigas, como a de Alberto Henschel, para dar vida a esses personagens históricos.

Outros retratos notáveis incluem figuras como João Cândido Felisberto, líder da Revolta da Chibata, Luiz Gama, Nzinga, rainha de Ndongo e de Matamba, e o premiado arquiteto burquinês Diébédo Francis Kéré. Farkas também denuncia o apagamento histórico ao substituir rostos por vegetação ou por um vazio branco, representando o sumiço de corpos e vidas.

"Vendo a imagem das folhas voando em volta da minha figura pictórica, penso que sou o sonho de meus ancestrais. Sou uma mulher preta que realizou, estudou, que é remunerada e reconhecida pelo meu trabalho, me locomovo, tenho a liberdade de ir e vir com altivez. O estudo te dá isso. Gerações após gerações de gente corajosa e resiliente me trouxeram até aqui", disse Luana W. Cotrin Negreiros, personagem retratada em três telas na exposição.

Para Mauro Trindade, curador da exposição, Fátima Farkas revela esse processo de apagamento e, numa ação estética e política, propõe uma reelaboração da memória através da apropriação de retratos fotográficos de negros que recria, com beleza e dignidade, grandes personagens do passado e do presente. "Esta exposição, que aborda temas tão relevantes como o esquecimento e a memória, oferece uma oportunidade única para se emocionar e refletir sobre essa parte crucial da história brasileira. O público é ainda recebido com uma fragrância no ar, evocativa de elementos como café, ouro, fumo e cana, que constituíam a rotina da maioria dos escravizados", destaca Trindade. "Tão sinistro quanto a violência que marca as vidas e as mortes de 4,9 milhões de negros escravizados trazidos ao Brasil é o silêncio da história ante toda a herança racista e patriarcal que permanece até os dias de hoje", continua o curador.

"Será o Benedito" estará em cartaz no Instituto Pretos Novos até 20 julho. Além de celebrizar os 19 anos do IPN, a mostra também marca os 250 anos do sítio do Cemitério dos Pretos Novos, um dos mais importantes vestígios da chegada dos africanos escravizados no Brasil, que funcionou entre 1774 e 1830.

Fatima Farkas tem sua origem profissional ligada ao design, migrando depois para as artes visuais. Seu trabalho tem forte ligação a questões brasileiras étnicas e culturais, especialmente do Recôncavo Bahiano. Com formação entre o Rio e São Paulo, frequentou a escola do Parque Lage e integra o grupo Contraponto, reunido no ateliê de Sérgio Fingerman.

SERVIÇO

SERÁ O BENEDITO

Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos (Rua Pedro Ernesto, 32-34 - Gamboa)

De 10/5 a 20/7, de terça a sexta (10h às 16h) e sábados (10h às 13h)

Entrada franca