Um Di Cavalcanti inédito no Brasil

Vendida pelo pintor na década de 1930 em Paris, a tela 'Carnaval' tinha o paradeiro desconhecido e chegou até a ser dada como perdida

Por Alessandra Monterastelli (Folhapress)

'Carnaval' está em mostra alusiva aos 125 anos de Di Cavalcanti em cartaz em SP

Uma tela enorme mostra uma cena de Carnaval de rua do século passado. Casinhas coloniais, colinas e um trilho de trem solitário servem de fundo para sete personagens, alguns mascarados, outros com longas saias coloridas. Um deles, de camiseta regata e pelos do peito à mostra, segura um cavaquinho.

Pinceladas mais escuras acentuam as ondulações da saia da figura central, que parece pronta para a festança, e conferem uma volumetria hipnotizante ao tecido. Soma-se ao traço um vermelho vibrante e a obra se torna inconfundível, é de uma tela de Emiliano Di Cavalcanti.

O itinerário de "Carnaval" era desconhecido desde a sua venda pelo próprio pintor, na Paris da década de 1930. Recentemente, a obra foi descoberta no apartamento de um colecionador, ainda na capital francesa, e agora a tela integra a exposição "Di Cavalcanti - 125 anos", em cartaz no Farol Santander, em São Paulo.

Denise Mattar, a curadora da mostra, analisou a tela junto a Elisabeth, filha de Di, que confirmou a autoria do pai. "Depois dos trâmites legais, a obra finalmente veio ao Brasil", diz.

A tela tem semelhanças com "Samba", de 1925, queimada durante um incêndio no apartamento do marchand Jean Boghici, em 2012. Ambas os trabalhos trazem referências ao muralismo mexicano, do qual Di Cavalcanti seria um grande admirador nos anos seguintes. "Em 1922, quando aconteceu a Feira Internacional no Rio de Janeiro, havia um pavilhão mexicano, frequentado por Di Cavalcanti", explica a curadora.

A exposição, em cartaz até o dia 7 de janeiro, traz outra tela chamada "Samba", uma pequena aquarela datada de 1935, que representa músicos em uma roda de samba, com traços caricaturais e vestes minuciosamente detalhadas.

Apesar de ter sido consagrado enquanto pintor, Di Cavalcanti iniciou sua carreira como desenhista, profissão que manteve por anos. "Fantoches da Meia-noite", uma série de desenhos feitos em 1921 e expostos na Semana de Arte Moderna, também estão presentes na mostra.

De tom obscuro, personagens em preto e branco são desenhadas presas a cordas, como se fossem bonecos sem autonomia. A obra foi uma representação de Di da prostituição nas ruas de uma São Paulo do início do século.

Para Mattar, "Fantoches da Meia-noite" poderia ser considerado o primeiro trabalho autoral do pintor, concebido durante sua amizade com Oswald de Andrade e outros modernistas paulistanos.

Além de "Carnaval" e "Fantoches da Meia-noite", a mostra traz obras que ilustram bem a trajetória de Di Cavalcanti enquanto pintor, conhecido por ser amante da boêmia. "Seresta", de 1925, por exemplo, mostra um grupo de pessoas no que parece ser uma pequena celebração.

Para o pintor, o povo que ocupava diariamente as ruas e praias, dos pescadores às mulheres desempenhando afazeres cotidianos, deveriam ser os protagonistas de suas telas.

SERVIÇO

DI CAVALCANTI — 125 ANOS

Farol Santander (Rua João Brícola, 24, Centro - São Paulo)

Até 7/1, de terça a domingo (9h às 20h)

Ingresso: R$ 35