Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Morre o papa do documentário histórico do Brasil, Silvio Tendler

O cineasta Silvio Tendler | Foto: MST/Divulgação

De passagem pelo Festival de Cinema Brasileiro de Miami, em 2004, para exibir “Glauber, o Filme: Labirinto do Brasil (Prêmio da Crítica e Prêmio do Júri Popular em Brasília), Silvio Tendler fez da generosidade – uma de suas maiores virtudes – um ato político ao pagar refeições para os jovens entusiastas que o seguiam, como numa procissão cinéfila, pelos EUA.

“Se a América fez o capitalismo tirar o pão da mesa de muita gente, o Brasil reage oferecendo sopa a quem tem fome”, brincou o bem-humorado diretor, papa documentarista histórico em telas latinas, que morreu nesta sexta-feira, aos 75 anos. Enfrentava uma neuropatia diabética, doença que ataca o sistema nervoso. Deixa uma filha, a produtora Ana Rosa, e um neto, o estudante Ernesto.

O velório acontecerá no domingo, dia 7 de setembro, às 11h, no Cemitério Israelita do Caju. Lá esperam-se aplausos das multidões que arrastou para as salas de exibição. Nenhum artífice da não ficção no Brasil fez mais público pagante do que ele.

Conseguiu cruzar a marca do blockbuster e emplacar uma bilheteria na faixa do milhão (o filme “O Mundo Mágico dos Trapalhões”). Lotou cinemas também com “Anos JK” (1980) e “Jango” (1984) e encheu as salas do Grupo Estação, em 2024, ao exibir “Brizola – Anotações Para Uma História”, ainda inédito.

“A política sempre norteou meus filmes, assim como a História e a Geografia, já a Sociologia me marca muito pouco, pois eu não consigo dominar as teorias sociológicas. Já a Geografia, sim, via Milton Santos, via Josué de Castro e via Carlos Walter Porto-Gonçalves, que são meus gurus”, disse Tendler em sua derradeira entrevista ao Correio da Manhã, em março.

O cinema me influencia via Chris Marker, André Heinrich, Jean Rouch, Vladimir Carvalho. Esses diretores são fundamentais na minha vida, assim como Olney São Paulo, Sérgio Muniz, João Batista de Andrade. A eles, eu estou aqui dizendo presente sempre.

Partiu finalizando “Justiça em Estado de Exceção”, que discute o papel do Poder Judiciário e dos meios de comunicação na conjuntura política do país. Com esse longa, Tendler esperava completar uma trilogia formada por “Privatizações, a Distopia do Capital”, de 2014, e “Dedo na Ferida” (Prêmio de Júri Popular na Première Brasil 2017). Trata-se de uma análise do sistema que financia e instrumentaliza um projeto de poder predatório.

Desenvolvia ainda um projeto chamado “Na Outra Ponta Da Humanidade, A Fome” e uma série chamada “Estrada Sem Fim”, com três filmes inspirado nos longas do (cineasta chileno) Patrício Guzmán, como (o tríptico) “Batalha do Chile”, com episódios que vão da Pangeia ao dia seguinte ao fim do mundo.

“Sonho com um futuro radiante para nós todos”, dizia Tendler. “A História provou que as camadas criativas da arte vão se superpondo e vão convivendo. A questão é que estamos passando por um período de ajuste. Não tenho medo da desaparição do cinema, assim como eu não tenho medo da grande indústria midiática, mesmo que eu tenha de passar meus filmes em guetos”.

Uma série de longas de Tendler, como “Tancredo – A Travessia” (2011) e “Utopia e Barbárie” (2010), podem ser vistos na plataforma Prime Vídeo, da Amazon.