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Projeto teve equipe enxuta

Gabriela e Eryk filmaram a cosmogonia da selva na visão de Davi Kopenawa | Foto: Divulgação

Eryk Rocha conta que filmou "A Queda do Céu" com Gabriela contando com uma equipe enxuta, somando seis pessoas ao todo. Ele chegou à fronteira com Roraima pouco antes da pandemia. Registraram entre outras coisas a cerimônia do Reahu, uma espécie de despedida para a morte do sogro de Kopenawa.

Mas esse processo de observação, destaca, não se baseou num dispositivo prévio, nem num empenho de "adaptar" o livro do xamã e de Albert. De acordo com Eryk, suas páginas podem produzir milhares de filmes, sendo infinitas como os espíritos.

"Esse projeto materializa o meu encontro de vida com a Gabi, ou seja, o teatro e o cinema. Só que materializa também o encontro do cinema da gente com o cinema sem câmera dos povos ianomâmis, que se faz de cantos e de danças", diz Eryk, que esteve em Cannes em 2004 com o curta "Quimera".

"O grande problema do mundo hoje é que seguimos uma lógica grega, de base aristotélica, segundo a qual o homem está acima de tudo. A cosmologia dos ianomâmi não comporta hierarquias, nem separa natureza de cultura. Não por acaso, no longa, o Céu é personagem, assim como o trovão, a pedra, o igarapé. Nossa inspiração para a gramática com que filmamos veio dessa lógica deles".

Numa das sequências mais potentes de "A Queda do Céu", montada com a delicadeza habitual de Renato Vallone (parceiro habitual de Eryk), imagens de arquivo de implosões e explosões traduzem o desastre anunciado do desrespeito ecológico que Kopenawa denuncia. "Ele nos mostra que o sagrado e o místico estão dentro do cotidiano", diz Gabriela.

Essa colagem de desastres é uma metáfora fílmica para o que Kopenawa chama de "fúria da terra". "O conceito de Queda do Céu do livro dele é o estresse do planeta diante das violências que o ecossistema sofre. O colapso climático, como vimos há pouco no Rio Grande do Sul, é um sinal dessa fúria", diz Eryk, lembrando que o filme construído a quatro mãos com Gabriela é um reflexo de "um povo que faz mundo". "Ali tem um Brasil que sonha longe, enquanto a gente só sonha com a gente mesmo. Os ianomâmi sonham com tudo. O Brasil deles é um país do devir".