Por: Affonso Nunes

Cátia de França, ou melhor, da Paraíba

Dona de carreira potente, Cátia de França celebra 50 anos de estrada | Foto: Divulgação

São 77 anos de idade, mais de 50 de carreira e seis discos gravados entre 1979 e 2016. Pode parecer pouco para uma cantora e compositora, mas a paraibana Cátia de França tem uma obra singular, diversa, eclética, que influenciou e influencia até hoje gerações e gerações de músicos brasileiros e do Nordeste em particular. Neste abril de 2024, Cátia une passado e presente em "No Rastro da Catarina", seu aguardado sétimo álbum.

"Chegou um momento em que percebi uma cobrança por um novo trabalho, que vinha sempre acompanhada do questionamento se eu havia parado de compor", conta Cátia, que surgiu na cena musical em 1979 com seu elogiado álbum de estreia, "Vinte Palavras ao Redor do Sol", com faixas como "Quem Vai, Quem Vem", "Kukukaya", "Os Galos" e a faixa-título.

"No Rastro da Catarina" resgata memórias e perspectivas ao longo de 77 anos bem vividos pela artista. Suas 12 faixas inéditas revelam desde os sentimentos juvenis até às incertezas da censura imposta aos artistas brasileiros. A faixa-título nasce de um jogo de palavras a partir do trecho "No Raso da Catarina/ O que vejo é nossa sina/ Enxergo a caatinga/ Branco hospital", presente na canção autoral "Quem Vai, Quem Vem".

O novo disco da multiartista paraibana chega também com o sentimento de urgência. "Estou com 77 anos, tenho que fazer o que eu tenho que fazer rápido, enquanto eu estou lúcida", brincou ela, em entrevista ao portal G1 Paraíba. Lucidez, porém, não lhe falta. Cátia é sabedora de seu lugar no mundo, na música brasileira, e da abragência de sua obra única e inspiradora.

Meio século de carreira musical é um marco emblemático na vida de qualquer artista do ramo. Com seis discos lançados entre 1979 e 2016, Cátia de França ultrapassa gerações e transita entre palcos e parceiros musicais dos quatro cantos do país.

Sua história envolve evolução de ritmos, experimentações e parcerias com artistas como Zé Ramalho (seu conterrâneo e padrinho musical), Dominguinhos, Sivuca, Lulu Santos, Chico César, Elba Ramalho e Bezerra da Silva em seus discos.

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Novo álbum reflete a sonoridade múltipla da artista

Cátia de França: 'Em casa podia faltar manteiga, mas jamais faltaria um livro' | Foto: Divulgação

"No Rastro de Catarina" é uma obra completa que expõe a poética e sonoridade múltipla de Cátia de França em mais de meio século de carreira. O disco percorre toda a história da artista, desde "Indecisão", um poema de amor escrito quando Cátia tinha 14 anos e só agora musicado, ao mergulho em seu envelhecimento com "Malakuyawa", cantando sobre seus cabelos brancos, e veias aparentes. Entre as 12 canções estão parcerias com Khrystal, Regina Limeira e Socorro Lira.

Canções como "Espelho de Oloxá", "Bósnia" e "Negritude" abordam, entre outras temáticas, sua veia política - sempre marcante em sua carreira - e a identidade negra, além da forte característica da referência literária em sua arte. A canção "Eu", por exemplo, faz citação a um poema da portuguesa Florbela Espanca.

A veterana artista confirma, mais uma vez, em suas canções seu lado cronista, mostrando ao público como ela vê o mundo ao redor.

"No Rastro de Catarina" foi integralmente gravado ao vivo em João Pessoa, terra natal da cantora, no Estúdio Peixeboi. O disco foi produzido pelo selo Tuim Discos, também da Paraíba. O lançamento no exterior será pelo selo Amplifica Music.

A banda também foi composta só por músicos paraibanos, o que Cátia de França classifica como "uma fórmula que dá certo". "Esse disco foi regado por sentimentos de entrega, vontade e confiança. Por isso, eu apostei numa fórmula que deu certo, que é fazer disco novo com músicos paraibanos", explica.

A banda é formada por Cristiano Oliveira (viola, violão e violão de aço), Marcelo Macêdo (guitarra e violão de aço), Elma Virgínia (baixo acústico, baixo elétrico e fretless), Beto Preah (bateria e percussões) e Chico Correa (sintetizadores e samplers), que também assina a produção musical do disco ao lado de Marcelo Macêdo. "No Rastro de Catarina" conta ainda com participação de Gláucia Lima no vocal, Dina Faria na direção artística e Felipe Tichauer na masterização.

Alfabetizada por sua mãe Adélia de França, a primeira educadora negra do estado da Paraíba, por meio de canções, Cátia de França ou Catarina Maria de França Carneiro, costuma contar que em sua casa "podia faltar manteiga, mas jamais faltaria um livro".

Apadrinhada pelo compositor e produtor Zé Ramalho, gravou "20 Palavras ao Redor do Sol" (1979), seu primeiro álbum pela CBS, que conta com a participação de Sivuca, Dominguinhos, Sérgio Boré, Chico Batera, Lulu Santos e Bezerra da Silva. Em 1980, lança "Estilhaços".

Cátia também gravou o LP "Feliz Demais" (1985) e "Olinda" (1986), que teve a participação do grupo Azymuth. Já em 1998, lança o CD "Avatar" pelo selo CPC Umes, do qual participam o conterrâneo Chico César, Xangai e Quinteto de Cordas da Paraíba.

Em 2005, grava "Cátia de França Canta Pedro Osmar", interpretando músicas do cantor, compositor e instrumentista paraibano. Em 2012, lança o CD independente "No Bagaço da Cana / Um Brasil Adormecido", com a Camerata Arte Mulher, formada por musicistas eruditas da Paraíba e inspirado em textos de José Lins do Rego.

Com o patrocínio da Natura Musical, Cátia de França lança "Hóspede da Natureza" (2016)', inspirado na obra do escritor Henry David Thoreau (1817-1862) e com uma musicalidade que transita do reggae ao blues, passando por bossa nova, rock e bumba meu boi.

E como Cátia de França nunca para de compor, é imperioso que novos álbuns venham somar novos pavimentos a seu sólido edifício musical.