Um estonteante trabalho sobre saudade

O roqueiro Paulo Milkos (ex-Titãs) brilha na pele do inesquecível Adoniran Barbosa no premiado 'Saudosa Maloca', uma das estreias mais aguardadas do ano

Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Paulo Miklos em 'Saudosa Maloca'

Dos muitos prêmios que conquistou desde os tempos de os Titãs, nove troféus recebidos por Paulo Miklos vieram do cinema, por seu trabalho como ator, entre os quais a estatueta do Fest Aruanda, na Paraíba, dada a ele em dezembro, por seu desempenho em "Saudosa Maloca". É uma das estreias nacionais mais esperadas desta temporada, agendada para o próximo dia 21.

Sob a direção de Pedro Serrano, o cantor encara num debate sobre gentrificação, numa São Paulo de arranha-céus, a partir das travessias e das travessuras do compositor e sambista Adoniran Barbosa (1910-1982). A trama chega ao circuito em paralelo ao empenho de Miklos para finalizar seu primeiro disco solo ao vivo.

Serrano e ele fizeram juntos o curta "Dá Licença De Contar" (2015), também dedicado ao legado de Adoniran e seus parceiros de birita e de batuque. O diretor investigou os feitos do arlequim do samba paulista no longa documental "Adoniran - Meu Nome É João Rubinato", de 2018. "Eu e o Paulo estabelecemos desde o início que não queríamos uma imitação do Adoniran, mas, sim, uma livre interpretação dessa figura tão peculiar, mais preocupada em passar a sua essência do que reproduzir seus trejeitos e expressões. Isso faz ainda mais sentido ao lembrar que nosso filme não é uma cinebiografia. Fiz um compêndio que nos ajudava a entender 'o jeito certo de falar errado' desenvolvido pelo 'homi'. Mas, dali pra frente, foi tudo na base dos subtextos, da relação entre os personagens. O Paulo é um ator muito aberto à escuta e entende muito rápido as intenções de cada cena", disse Serrano, laureado com o prêmio de Melhor Direção em Aruanda.

O elogio dele a seu protagonista não é mimo, nem rasgação de seda: o desempenho de Paulo Miklos é imparável (e encantador) no retrato da realidade urbana de uma São Paulo bem fotografada por Lito Mendes da Rocha. Na trama desse estonteante tratado sobre saudade, vamos a uma mesa de bar de São Paulo, onde o velho Adoniran (Miklos, sublime) conta a um jovem garçom (Sidney Santiago Kwanza) anedotas de uma metrópole que já não existe. Lembra com carinho da maloca onde viveu com Joca (Gustavo Machado) e Mato Grosso (Gero Camilo), destacando a paixão deles pela atendente de bar e aspirante a estilista Iracema (Leilah Moreno, luminosa em cena) e de outros personagens eternizados em seus sambas. O filme mostra como as letras de Adoniran se tornaram crônicas de uma terra engolida pelo apetite voraz do "pogréssio".