Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

É ano do dragão no streaming

A 36ª Câmera de Shaolim | Foto: Divulgação

Fãs de artes marciais vão encontrar um novo tatame audiovisual para saciar sua sede de luta no pacotão de clássicos do estúdio chinês Shaw Brothers preparado pela MUBI neste momento em que ela abre 2024 cheia de pérolas. No primeiro dia do ano, o www.mubi.com passou a dar destaque a filmes de estreia de grandes vozes autorais, como Claire Denis (com "Chocolate"), Barry Jenkins ("Remédio Para Melancolia"), Justine Triet ("A Batalha de Solferino") e Chistopher Nolan ("Seguinte"), e, nesta sexta, a plataforma põe em sua grade "Frances Ha" (2012), que fez da atriz e diretora Greta Gerwig uma estrela.

Tem ainda mostra do finlandês Aki Kaurismäki e o badalado "How to Have Sex", de Molly Manny Walker, laureado com o Prix Un Certain Regard em Cannes.

Mas não é todo dia que em se vê um streaming desse calibre de autoralidade dar holofotes a narrativas repletas de ação. Mas é difícil não se deixar deslumbrar com "A 36ª Câmara de Shaolin" (1977), de Lau Kar-leung, ou com a pérola "O Grande Mestre Beberrão" (1966), de King Hu. Da mesma forma, é impossível não se espantar com a potência visual do cinema de Chang Cheh, diante de filmes como "Combate Mortal" (1978) ou "O Super Dragão Chinês" (1982). Tá tudo na retrospectiva batizada de "Mestres do Kung Fu".

"O grande diferencial desses filmes, quando analisados sob os padrões morais de hoje, é o fato de eles falarem de justiça a partir da perspectiva dos laços da amizade e da fraternidade, sem deixar de lado a exuberância das coreografias", explica Gigi Ko, vice-presidente da Celestial Pictures, em entrevista via Zoom com o Correio da Manhã, explicando que sua empresa possui a maior coleção de filmes chineses do mundo, incluindo os da Shaw Brothers.

 

Filmografia que inspirou mestres do cinema de ação

Armas Lendárias da China | Foto: Divulgação

Graças ao esmerado trabalho da Celestial, o catálogo da Shaw Brothers foi restaurado e, hoje, ele roda o mundo em streamings e canais de TV. "Estar na MUBI é fazer parte de um coletivo de filmes organizado a partir de uma meticulosa curadoria, que valoriza diretores autores", diz Gigi, lembrando que, no início dos anos 1960, quatro irmãos (Runje, Runme, Runde e Run Run) redefiniram o cinema chinês.

Entre 1958 e 1987, eles produziram cerca de mil filmes, antes de investirem em projetos de TV. Esses empreendedores vinham fazendo filmes desde 1925, na tentativa de mobilizar as salas de cinema no sudeste da Ásia com tramas de temáticas locais. Depois de quase três décadas de projetos modestos, os irmãos Shaw resolveram ampliar suas atividades cinematográficas com o emprego de conceitos fordistas (linha de montagem em série) e abriram um dos maiores estúdios privados de cinema do mundo. O projeto: investir em narrativas de gênero que se bancassem a partir do interesse de diferentes nichos de público naqueles filões, como é o caso do melodrama. Mas foram as aventuras de lutas e combates de espadachim (chamados na China de wuxiai) e os thrillers de pontapés e socos na cara que mais e melhor garantiram o sucesso da empreitada.

Traduzida literalmente para "cavalheirismo marcial", a filosofia wuxia tem suas raízes na literatura romântica do século VII. Banido das telas pelo governo censor chinês nos anos 1930, pouco antes da II Guerra, o subgênero ressurgiria das cinzas com a Shaw Brothers, sob a orientação do lendário cineasta King Hu e seu já citado "O Grande Mestre Beberrão".

"Existe um investimento forte na fantasia naquele cinema, pois o público desse tipo de filme não deseja uma cópia da realidade e, sim, o sonho", diz Gigi, lembrando que o trabalho da Celestial hoje é parte da demanda global por filmes de Hong Kong, como se viu no recente regresso de um mestre daquele território, John Woo, às telas, com "O Silêncio da Vingança". "O que tentamos é levar esses filmes para o mundo, influenciando diretores. Nomes que hoje a Europa e as Américas cultuam, como Johnny To, apareceram ali".

No início dos anos 1970, os cinemas de subúrbio de todo o mundo (chamados de "poeiras" no Brasil e de "grindhouse" nos EUA) não se cansavam das obras dos irmãos Shaw e se deixaram deleitar por clássicos como "Cinco Dedos de Violência" (1972).

Quentin Tarantino foi uma das cabeças brilhantes formadas por esse tipo de experiência cinemática, assim como Ang Lee e Wong Kar-Wai, que retorna este ano com a série "Blossoms". Jamais existiria uma franquia de sucesso como "John Wick" sem o esforço dos Shaw Brothers.

Nesse especial deles na MUBI, dê especial atenção a "Os Cinco Venenos de Shaolin" (1978), "O Clã do Lótus Branco" (1979) e "Armas Lendárias da China" (1982).

 

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