Curso intensivo de carioquice

Em 'How To Be a Carioca', que estreia no Star+, Seu Jorge ajuda turistas no Rio, mostrando a verdadeira essência da Cidade Maravilhosa

Por Pedro Sobreiro

Símbolo legítimo da carioquice, Seu Jorge estrela a série dirigida por Carlos Saldanha

Por: Pedro Sobreiro

Quando se fala em ser Carioca, qual é a primeira coisa que vem em mente? Para o diretor e cria de Marechal Hermes, Carlos Saldanha, nada representa mais a Cidade Maravilhosa do que a molecada transbordando de alegria ao soltar pipa numa tarde de sol.

É com essa energia que o mago brasileiro das animações faz sua estreia na direção de pessoas de carne e osso na série "How To Be a Carioca", que estreia nesta quarta-feira (18) no streaming Star+. "'O que é ser carioca?' é uma pergunta que eu sempre faço a mim mesmo. Eu nasci no Rio e estou morando há muito tempo fora, mas me sinto um carioca de coração. Acho que ser carioca é um estado de espírito. Conheço muitos que nasceram no Rio e não se sentem cariocas, assim como muitos que não nasceram na cidade, mas que foram para lá e se tornaram cariocas honorários. Ser carioca é saber aceitar a cidade, trabalhar com a cidade e cuidar da cidade. Acho que para ser carioca, você tem que cuidar do que você ama. Se você é realmente carioca, você ama e cuida da cidade sem ficar cego pelos problemas, mas tenta prestar atenção neles e tentar melhorar por meio desse cuidado", comentou Saldanha.

A série tem seis episódios e se inspira no livro homônimo da norte-americana Priscilla Ann Goslin, uma apaixonada pela Cidade Maravilhosa, que mora por aqui há cerca de 50 anos e se enamora cada vez mais pelo Rio.

Em cada episódio, um morador de outro país acaba parando no Rio, seja a turismo, trabalho ou missões pra lá de inesperadas, como realizar o último desejo de um parente, e acaba passando por questões próprias. Assim, um encontro inesperado com o personagem de Seu Jorge acaba direcionando os gringos para uma resolução mais carioca possível.

Em tempos tão complicados, a produção de Carlos Saldanha vem como um abraço para o povo brasileiro, quase como um afago na autoestima nacional tão surrada nos últimos anos. Porque mesmo com todos os problemas, a resiliência do carioca e sua capacidade de acolher o mundo em seus braços segue mantendo a cidade de pé e levando o Brasil para o mundo. Ou seja, em meio a tempos difíceis, não faz mal aprender um pouco mais sobre 'How To Be a Carioca'.

Projeto original era um filme

Conhecido mundialmente por animações como "A Era do Gelo" e "Rio", Carlos Saldanha revela que a ideia inicial era fazer um filme, mas acabaram percebendo que o formato ideal era o série, para poder explorar os diferentes Rios que cabem no Rio de Janeiro.

"Quando a gente conseguiu os direitos do livro, há oito anos, a ideia inicial era para fazer um filme. Mas como são diferentes Rios em um único Rio, a gente teve um problema que era querer andar a cidade inteira num único dia, e rendia situações sem profundidade, estereotipadas. Então, quando a gente mudou o formato para série, a situação mudou, porque a gente poderia mostrar muito mais", justifica.

"Então, em vez de ser apenas um gringo no filme, decidimos que cada episódio traria um turista. E antes de escolher o país de onde esse gringo viria, a gente buscava uma temática para cada episódio. Pra mim, as histórias só funcionam se elas têm algo a dizer. E o livro nos inspira muito. A gente pensou em falar sobre fé, humor, racismo, amor, música... Pegamos essas temáticas-chave que são muito típicas do carioca e desenvolvemos as histórias", detalha o diretor.

E apesar do grande chamariz da produção ser o rosto do Seu Jorge, a produção vai além. Saldanha admite que a possibilidade de trabalhar com várias culturas foi marcante para o projeto.

"Não teria série se não fosse o Seu Jorge. Ele era o único nome que estava na cabeça da nossa produção. Quando a gente começou a bater papo para ver qual era o carioca que a gente queria, que tivesse música, carisma, presença e uma voz maravilhosa, a única opção era o Seu Jorge. Fomos lá conversar com ele, apresentamos o projeto e dissemos que só sairíamos de lá quando ele dissesse 'sim'. Eu não conseguia ver outro carioca no lugar. Se ele dissesse 'não', eu ia sofrer muito para contar essa história de outra maneira. E quem vê o trailer acha que é uma série sobre o Seu Jorge. Bem, é e não é. A gente escolheu um país por episódio e ele aparece em todos como um tipo de oráculo, chegando para ajudar os gringos. Agora, todas essas historinhas trazem um pedaço de uma história maior que será contada justamente no último episódio. O sexto episódio é voltado exclusivamente para o Rio, se juntando para contar a história do personagem do Seu Jorge, que 'cola' esses personagens e representa a gente. Sem ele, não haveria a série", garante.

"Eu moro há muito tempo fora e quando eu era pequeno, a gente ia muito pra praia e eu já falava inglês. De vez em quando, eu via os gringos perdidos na praia, sem saber pedir informação, sem saber pedir um sorvete, e eu era tão orgulhoso de estar ali que puxava conversa. Perguntava se já tinham ido em tal lugar, se já tinham provado o biscoito Globo, e ajudava eles. Eu fazia meio que um papel de anjo da guarda, porque eu sentia que eles não aproveitariam o Rio por completo porque eles não falavam a língua. E eu ficava naquele desespero de querer falar, de indicar, porque eu queria que eles gostassem da cidade, que eles vissem tudo o que eu via. Então, eu botei o Seu Jorge nesse espaço que é muito carioca, de doar o seu tempo para ajudar alguém, mesmo em um momento de muitas dúvidas. Você tem orgulho de compartilhar o que você tem", acrescenta o diretor.

Além disso, a série conta com uma mescla de elencos muito fora da curva. Além de contar com veteranos do cinema nacional e nomes cascudos do cenário internacional, 'How To Be a Carioca' traz artistas jovens e promissores.

"O Seu Jorge é um carioca da gema mesmo, com seu jeito de falar, agir, com sua musicalidade. O Douglas Silva foi incrível no episódio da Argentina. Ele trabalhou com duas atrizes veteranas da Argentina, a Verónica Llinás e a Andrea Frigerio, e foi fantástico! O episódio de Israel contou com a participação da molecada sensacional do 'Nós do Morro'. E por falar desse casting jovem, o Nego Ney foi um menino que a gente descobriu pelo YouTube. Quando a gente viu o vídeo dele, nós percebemos que ele tinha muito talento. A gente tinha que dar essa oportunidade e trazer ele para o projeto. Ele atuou com Swell Ariel, que veio de Israel, eles tiveram uma química incrível e rendeu um episódio muito marcante para a série. A gente tem muito prazer de ter montado esse elenco, trazendo também artistas brasileiros mais tradicionais, como a Malu Mader, o Antônio Pitanga, que veio com uma ponta no episódio final, fazendo essa mistura do novo com o antigo", empolga-se o diretor na conversa com o Correio da Manhã.

O coração da série

Falar de Rio sem trabalhar a musicalidade é praticamente impossível. E 'How To Be a Carioca' traz uma trilha marcante e com diversidade, do forró até a música de concerto alemã, a produção investiu nos diversos estilos sonoros que marcam o dia a dia do carioca. Tudo com a produção da cantora e produtora Maria Gadú.

"Eu amo a Gadú porque ela tem uma musicalidade e conhecimento musical incríveis. Ela se doou muito ao projeto usando artistas que ama, pegando músicas que ama, deixando a vontade de estar ali, de aparecer, de lado", conta.

Nos últimos anos, muitas produções destacando o lado negativo do Rio foram feitas, trazendo temas que fazem parecer que não há mais o que fazer na cidade. Mas Carlos acredita que é sempre importante mostrar os dois lados.

"No mundo inteiro eles contam histórias mais bobinhas sobre qualquer lugar do planeta, então por que não ter algo mais leve sobre o Brasil? Só precisa mostrar tragédia? Acho que contar os dois lados é sempre importante. E 'How To Be a Carioca' traz muitos elementos que eu pensei enquanto fazia a animação 'Rio' (2011), e mesmo sendo projetos completamente diferentes, você sai com aquele mesmo sentimento de pertencimento. Não só de ser carioca, mas de ser brasileiro. Meu intuito na série é fazer algo que você se identifique e não rejeite. A ideia é fazer você sentir que está no Rio de Janeiro", disse.

Com seis episódios, a série chega ao serviço de streaming Star+ nesta quarta-feira (18). E há muito mais a contar, basta apenas que o público tenha uma boa reação ao seriado. Segundo o diretor, ainda há muito a ser mostrado sobre o Rio de Janeiro, principalmente sobre a Zona Norte.

"Por questões de tempo e orçamento, acabamos fechando a série em seis episódios. A ideia inicial era contar com sete capítulos sobre os gringos e um sobre o Rio. Mas temos histórias com outros países para abordar assuntos que não foram incluídos nessa. A gente não abordou futebol, não abordou carnaval, samba de raiz, a comida... Se a galera gostar e quiser mais, o que a gente mais tem é história”, afirma.