Festival do Rio: Redentor da ousadia

Engenhoso thriller de Vera Egito sobre a luta de estudantes contra a ditadura na São Paulo de 1968 vence o Première Brasil 2023

Por Rodrigo Fonseca (Especial para o Correio da Manhã)

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Plataforma de protestos contra o governo Jair Bolsonaro nos quatro anos anteriores à eleição de Lula, em 2022, a Première Brasil do Festival do Rio coroou no domingo (15) um thriller rico em ousadia formal e refinamento político o cobiçado troféu Redentor de Melhor Longa de Ficção: "A Batalha da Rua Maria Antônia", de Vera Egito.

O júri presidido pela diretora Laís Bodanzky valorizou o risco absoluto corrido pela cineasta, realizadora do filme (em PB) premiado, ao recriar o passado tenebroso de nosso país sob uma estética nervosa.

Indicado a prêmios em festivais em Valladolid e Chicago, "A Batalha da Rua Maria Antônia" se impôs na telona do Estação NET Gávea e do Odeon a partir de um jogo de armar de 21 planos-sequência. Um espetáculo entre o drama e a ação se forma na recriação proustiana de 1968 (o chamado ano que não acabou). Sua narrativa chega a ser inóspita em seu arranjo nada convencional de ideias. Arma-se um teatro de máscaras na trama quando o líder estudantil Benjamim (Caio Horowicz, atômico em sua atuação) aparece no campus da Faculdade de Filosofia da USP para manter seus colegas fora das CNTPs. Ele agita sua turma e outras em meio a uma batalha em outubro do 68.

Seus métodos são sedutores, mas, parecem desrespeitar códigos de ética e sentimentos. Benjamin encena um jogo de decapitações com seus companheiros de aula e incomoda, em especial, uma atormentada professora, Leda (Gabriela Carneiro da Cunha, em estado de graça).

Em nome da democracia, Benjamin tenta manter inflamado o corpo discente e o docente de sua instituição. Tem gente ali abalada por mágoas afetivas. Outras temem a foice do Estado que vestia farda na época. Mas um grupo reage à mordaça do governo, sendo oprimido pela direita radical.

Na direção de fotografia, Will Etchebehere ricocheteia por planos de triagem de diferentes salas, corredores e centros acadêmicos de uma faculdade encarada, à época, como o ovo da serpente dos inimigos do governo de farda. A montagem de Julia Zakia galvaniza o fluxo de imagens cor de chumbo, penumbrosas, revivificando um pretérito imperfeito, que reside como zumbi no imaginário sócio-político da nação.

Num roteiro enxuto, mas bastante provocativo, a diretora de "Amores Urbanos" (2016) discute resiliência, combate e inércia à luz da brasilidade.