Marcus Faustini,do Cesarão para as telas

Consagrado nos palcos e na literatura por olhares sobre a periferia, o realizador egresso de Santa Cruz volta aos filmes de ficção com 'Ana', na competição pelo troféu Redentor 2023

Por Rodrigo Fonseca (Especial para o Correio da Manhã)

Faustini dirige 'Ana' em concurso no Festival do Rio

 

Requentando uma panelada de arroz com lentilha, num papo com o Correio da Manhã, Marcus Vinícius Faustini evoca Ícaro, o sonhador grego que voou à força de asas postiças, até vê-las arder ao calor do Sol, levando-o a uma queda mortal. O mito é uma metáfora para o deslumbramento inerente à pratica sem consciência da atividade artística, movida só pela vaidade em vez da transcendência.

Desde os anos 1990, quando peças teatrais como "Capitu" puseram seu nome em evidência nas artes cênicas, o diretor carioca egresso do Cesarão, em Santa Cruz, sempre se manteve atento ao espocar dos holofotes, para que o brilho deles não condenassem seu voo a uma queda.

Trabalhou sempre atento à máxima de Guimarães Rosa: "Viver é muito perigoso". Seguiu ainda o conselho de um amigo quitandeiro (cinéfilo) de Bonsucesso, que lhe mostou "O Espantalho", de Jerry Schatzberg (Palma de Ouro de 1973) e sugeriu que prestasse atenção ao cinema americano dos anos 1970, para descobrir meios de fazer uma poesia que fosse realista e pop. Carrega consigo também uma dica aprendida nos versos de Manuel Bandeira, de que "sofrer por amor por mais de três dias é deselegante". Com isso tudo na cachola, Faustini montou espetáculos de linha política ("O Filho do Presidente"), saudou suas origens com um livro cult ("O Guia Afetivo da Periferia", também transformado em peça) e fez uma série de ações sociais. Rodou filmes ("Carnaval, Bexiga, Funk e Sombrinha" e "Vende-se Esta Moto"). Engendrou a Agência de Redes Para a Juventude, que formou gerações de jovens egressos de comunidade.

Fez uma gestão histórica como Secretário de Cultura, em Nova Iguaçu, no fim dos anos 2000, criando uma escola de cinema na Baixada. Em 2021, assumiu o mesmo posto num Rio de Janeiro fustigado pela pandemia, onde exerceu seu cargo (até janeiro) numa lógica democrática de inclusão como nunca se viu igual nesta metrópole, no esforço de preservação dos aparelhos culturais locais, abrindo-os para outras malhas da sociedade, sempre invisibilizadas. O Ícaro Faustini não se encanta pelo astro rei, mas, sim, pela resiliência. É dela que ele vai falar, neste Festival do Rio, em "Ana", longa-metragem com fôlego de arrebatar miocárdios. Mistura de "O Grande Momento", de Roberto Santos, com Ken Loach, a trama lembra "Rocco e Seus Irmãos" ao retratar o laço de fraternidade entre uma passeadora de cães (Priscila Lima, no que promete ser uma daquelas atuações de chapar o coco) e um jovem que se prepara para um show drag (Gustavo Luz, descrito como "A" promessa deste ). Vinícius Oliveira, o guri de "Central do Brasil" (1998), dá em cena a atuação mais deslumbrante de sua carreira, numa síntese da rascância da vida sub-urbana.

Tem sessão do longa nesta quinta-feira (12), às 17h, no Estação NET Gávea, e na sexta, 10h30, no Odeon.

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