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Urso de Ouro para o real

'Sur L'Adamant' é o ganhador do Urso de Ouro de 2023 | Foto: Divulgação

Por Rodrigo Fonseca

Após uma peleja de quase dez dias, envolvendo 19 longas-metragens, o coração da Berlinale bateu mais forte pelo documentário francês "Sur L'Adamant", de Nicolas Philibert, laureado com o Urso de Ouro no sábado, no encerramento de uma maratona cinéfila que lamentou os 12 meses de sangue derramado pela Guerra da Ucrânia, celebrou identidades de gênero e festejou o amor. Seu longa aborda o trabalho de um centro de acolhimento a pacientes com transtornos psiquiátricos.

"Ver o documentário ser celebrado como cinema é uma alegria, pois luto há anos por isso", disse o cineasta ao ser premiado.

Quem comandou o júri foi a atriz californiana Kristen Stewart, que, aos 32 anos, conquistou prestígio com "Personal Shopper" (2016) e "Spencer" (pelo qual concorreu ao Oscar, no ano passado). Suas colegas juradas foram as diretoras Valeska Grisebach (alemã) e Carla Simón (catalã); a produtora de elenco, atriz e produtora Francine Maisler (também dos EUA); e a superestrela iraniana Golshifteh Farahani. Contou ainda com mais dois jurados: os diretores Radu Jude (Romênia) e Johnnie To (Hong Kong). Essa turma concedeu o Grande Prêmio do Júri para "Afire", uma joia do alemão Christian Petzold, sobre um aspirante a escritor que se encanta por uma mulher misteriosa numa região assolada por incêndios. Existe ainda um Prêmio do Júri "Mal Viver", drama português de João Canijo, centrado num grupo de mulheres que se esforçam para manter um hotel aberto, domando angústias do dia a dia.

Ao avaliar quem deveria ganhar a láurea de Melhor Direção, Kristen Stewart e companhia se desmancharam pelo impecável trabalho de Philippe Garrel, por "Le Grand Chariot", definido no Berlinale Palast como sendo "o coração mais jovem" da competição. O realizador põe suas filhas e filho para atuarem, na história de uma família de marionetistas. No palco, ele dedicou a vitória a Jean-Luc Godard, morto em 2022, num suicídio assistido. "Pertenço a uma geração que lê, entre Rimbaud e Freud, aprendendo toda a força poética libertadora da palavra. Mas também somos de um tempo que viu as primeiras obras-primas de Godard estrearem, para provar que a imagem nos conduz à liberdade ao dissecar a microfísica do controle", disse Garrel ao Correio.

Sem distinções entre melhor ator e melhor atriz desde 2021, a Berlinale avalia o elenco de seus filmes em duas categorias: Melhor Interpretação Protagonista e Melhor Coadjuvante. A primeira láurea foi dada a Sofia Otera, pela produção espanhola "20.000 Espécies de Abelhas", no qual vive uma criança em transição em sua identidade. A segunda coube a Thea Ehre, por sua estonteante atuação em "Till The End Of The Night", sobre uma mulher trans envolvida com o submundo das drogas.

Na escolha do prêmio de Contribuição Artística, habitualmente voltado para quesitos técnicos, foi confiado um Urso de Prata à fotografia da francesa Hélène Louvart em "Disco Boy", que remonta ao choque de culturas envolvendo um militante e um recruta da Legião Estrangeira. Ao decidir quem deveria receber a láurea de Melhor Roteiro, o júri encantou-se por uma versão contemporânea da tragédia de Édipo Rei: "Music", de Angela Schanelec".

Sem longas na competição oficial, o Brasil conquistou o prêmio especial do júri da mostra Generation 14Plus com o curta-metragem "Infantaria", de Laís Santos Araújo.