Por: Wellington Daniel

Rio Quitandinha ainda é sinônimo de prejuízo e medo

Rua Washington Luiz foi totalmente destruída pela chuva do dia 15 de fevereiro de 2022 em Petrópolis | Foto: Luana Motta

E passados dois anos das chuvas de 15 de fevereiro de 2022, e o rio Quitandinha, em Petrópolis, ainda continua sendo sinônimo de prejuízos e medo para moradores e comerciantes ao longo de seu leito, principalmente na Rua Coronel Veiga. Nos últimos temporais, houve registro de transbordamentos e, até mesmo antes da tragédia, já era comum as constantes enchentes na região.

Segundo informações da Defesa Civil do município, o rio Quitandinha tem o maior histórico de transbordamento do estado do Rio de Janeiro. Bastam 30 a 35mm/h de chuva que a Coronel Veiga já registra alagamentos, em um tempo de resposta de apenas 10 minutos. No Centro, são necessários 50mm/h, com 20 minutos de resposta.

A cota de transbordamento do rio também é a menor de toda a cidade, com apenas 1,8 metro na Coronel Veiga. No Centro, sobe para 2 metros. O terceiro lugar no "ranking" de rios com a menor cota é do Piabanha, no Bingen, com 3,35 metros. Na tragédia de fevereiro de 2022, o Quitandinha ultrapassou a cota e subiu a dois metros acima do nível da rua.

Novos protocolos

De acordo com o Instituto Histórico de Petrópolis (IHP), o rio Quitandinha nasce próximo ao lago do Palácio que leva o mesmo nome. Segue viagem em direção à Avenida General Rondon e, nesse caminho, recebe as águas do Independência e Cremerie.

Na Ponte Fones, no início da Rua Coronel Veiga, é possível notar a primeira mudança após as chuvas de 2022. Ali, uma cancela automática bloqueia o fluxo de veículos em caso de inundações. Mesmo com um histórico antigo de alagamentos na via, a instalação dos equipamentos só começou em dezembro daquele ano.

O rio prossegue. Nesta etapa, também é possível perceber outro avanço, que só ocorreu após as chuvas de 2022: a criação de ilhas de segurança, uma cobrança do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ). São locais mais altos, sinalizados com placas e uma pintura vermelha no chão. Em casos de alagamentos, motoristas e pedestres devem aguardar nestes pontos o nível da água diminuir.

Transporte público

No fim da Coronel Veiga e início da Rua Washington Luiz, foi registrada uma das cenas mais chocantes da tragédia de fevereiro de 2022. Dois ônibus foram arrastados para dentro do rio e passageiros tentavam, em vão, lutar contra a correnteza. O motorista Daniel Nascimento é um sobrevivente desse registro trágico e estava a caminho do trabalho.

Por causa dos alagamentos constantes na região, Nascimento, que à época era manobrista, afirma que os passageiros acharam que estavam seguros dentro do ônibus. Seria apenas mais uma enchente e logo as águas iriam baixar, assim como foi em outros dias. Também se preocupavam em sair e enfrentar as águas da enchente, sem saber para onde iriam.

"Hoje, trabalhando como motorista na empresa, sempre passo ali e sempre me recordo do filme que foi, da situação assustadora. Fico reflexivo, porque foi um livramento muito grande. Infelizmente, nem todos tiveram essa oportunidade", lembrou.

Após o ocorrido, o MPRJ cobrou um protocolo das empresas de ônibus e da Defesa Civil para evacuação dos coletivos em casos de enchentes. Quando a água atinge o primeiro degrau do veículo, na metade das rodas, os passageiros devem ser direcionados às ilhas de segurança.

"Achei válido e muito relevante, porque nos dá um norte do que fazer diante dessas situações. Temos que seguir à risca os protocolos, se não, será passível de punição", relatou o motorista sobre o protocolo.

Rua arrasada

A Rua Washington Luiz ficou fechada por meses após a tragédia, pois, em diversos pontos, partes da via desapareceram. É ali que fica a loja de móveis onde trabalha o vendedor Izaú Medina. O prejuízo do estabelecimento, apenas com a chuva de fevereiro, foi de R$ 200 mil somados a mais de R$ 30 mil em 20 de março. Esse último só não foi pior porque apenas uma loja estava em funcionamento e a que estava aberta, tinha pouco mostruário.

Agora, passados dois anos da tragédia, Medina afirma que os comerciantes ainda enfrentam a diminuição do número de clientes. "Infelizmente, o movimento não voltou ao normal porque alguns microempresários não retornaram para a Washington Luiz. Com isso, o movimento de pessoas circulando nas calçadas diminuiu bastante", afirmou.

"Na Washington Luiz, teve realmente boas obras de contenção, mas, na Coronel Veiga, eu achei muito precária as obras. Até mesmo a pavimentação da Coronel Veiga está muito danificada", considerou o vendedor.

Em local seguro?

O rio Quitandinha prossegue e chega ao final da Rua do Imperador. O jornalista Luis Héber estava no local no dia 15 de fevereiro, em uma academia. A unidade de uma franquia nacional possuía uma comporta, de cerca de um metro, já que alagamentos acontecem com frequência no trecho. Dessa vez, no entanto, não foi suficiente para conter as águas, que chegaram a dois metros acima do nível da rua.

"Fiquei preso lá até à noite com cerca de umas 40 pessoas, devido ao temporal. Com a chuva, o rio botou a água para fora e inundou todo o primeiro andar da academia. Ficamos no segundo andar observando o rio enchendo e cada vez mais com medo. Vimos carros, geladeira e até corpos sendo carregados pela correnteza", lembrou.

A academia não divulgou os prejuízos financeiros. Além dos equipamentos, os banheiros também ficaram alagados e uma vidraça, logo na entrada, se despedaçou. A unidade ficou fechada por mais de 15 dias, até conseguir realizar a limpeza e recuperação.

Assunto antigo

Na Rua do Imperador, o rio Quitandinha recebe as águas do Palatino, no Obelisco. Dali, segue pelas principais vias do Centro Histórico, onde é visto pela Câmara Municipal quando corta a Rua da Imperatriz. Na Avenida Koeler, passa bem na porta da Prefeitura.

O Quitandinha segue pelas ruas Roberto Silveira e 7 de Abril até chegar nas imediações do Palácio de Cristal, onde deságua no Piabanha. Os relatos de inundações na região vêm desde o tempo do Império, com escritos até mesmo de Dom Pedro II.

Todo esse histórico de alagamentos tem como consequência vítimas e grandes prejuízos aos comerciantes. Em 2003, uma mulher de 43 anos foi arrastada no Quitandinha. Em 1965, três pessoas morreram afogadas. Também há relatos de enchentes em outras ocasiões, como 1966, 1981, 1988 e 2001.

"A gente precisa para ontem de uma ação urgente", reclamou Daniel Nascimento. "A população foi crescendo nos bairros adjacentes e nada foi feito para que um sistema correspondesse com rapidez à quantidade de água que vem".

O motorista é acompanhado pelo vendedor, Izaú Medina. "Acredito que precisa ter uma obra definitiva no rio na Coronel Veiga, afundando mais o rio e colocando muro de contenção de concreto. Também fazer a limpeza dos rios com mais frequência", opinou.

A reportagem procurou a Prefeitura de Petrópolis sobre os pontos abordados, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.

Hoje, Luis Héber não mora mais em Petrópolis, mas diz que continua preocupado com seu pai, amigos e outros familiares residentes do município toda vez que tem chuva forte. Para ele, a cidade ainda não está preparada.

"Petrópolis não está preparada para enfrentar as recorrentes mudanças climáticas, o que nos deixa cada vez mais inseguros. Faltam ações de prevenção junto com a população e principalmente em áreas de risco. Não adianta ficar dando apitos por aí e tocar as sirenes quando a chuva já fez todo o estrago pela cidade", concluiu.