Por: Leandra Lima - PETR

Violência obstétrica viola o direito das mulheres

Todos os dias mulheres sofrem abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto nas instituições de saúde do país | Foto: Divulgação/FioCruz

Por Leandra Lima

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), no mundo inteiro, muitas mulheres sofrem abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto nas instituições de saúde. Para a Organização, tal tratamento não viola apenas os direitos das mulheres ao cuidado respeitoso, mas também ameaça o direito à vida, saúde, integridade física e à não-discriminação. Conforme uma pesquisa feita pelo o Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente, e da Fundação Oswaldo Cruz, em agosto de 2023, esse fato se resume a violência obstétrica.

Termo lido como a apropriação do corpo e processos reprodutivos de mulheres por profissionais da saúde e também como, desrespeito ao corpo feminino, podendo manifestar-se por meio de violência verbal, física ou sexual e pela adoção de intervenções e procedimentos desnecessários, sem evidências científicas. O ato pode ocorrer durante todo o período gestacional, no parto e no pós-parto.

Dados do Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente, mostram que as características desse abuso são: violência física, humilhação profunda e abusos verbais; procedimentos médicos coercivos ou não consentidos; não obtenção de consentimento esclarecido antes da realização de procedimentos; recusa e má administração de analgésicos; violações da privacidade; falta de confidencialidade; recusa de internação nas instituições de saúde; cuidado negligente durante o parto levando à complicações evitáveis e situações ameaçadoras da vida.

Casos de violência obstétrica acontecem todos os dias em diversas partes do país, e infelizmente, a prática também é bastante comum na Região Serrana, em Petrópolis, a Doula do Programa Reage Mãe que atua em defesa da mulher gestante e puérpera, Daniela Freitas, informou que através do programa chegam diversos relatos de mães que tiveram experiências negativas na hora de dar à luz.

Daniela conta que o episódio mais recente foi de uma menina que teve perda gestacional. "Uma gestação primípara de 21 semanas. Ela estava no processo de aborto espontâneo e, assim, não foi levada nenhuma consideração, não a informaram como deveria agir. Ela entrou nesse processo todinho lá na sala de parto, foi colocada na sala e lá deixaram uma paradeira pra ela evacuar, ou urinar, e saíram sem dar explicações. A menina estava no processo de ganhar o bebê, já estava na fase praticamente expulsiva e, deu vontade dela evacuar e no momento em que foi fazer força, a bolsa rompeu, e o bebê já foi nascendo, o marido dela, saiu gritando, a equipe entrou na sala, e um dos profissionais chegou a falar que foi por isso que a bolsa rompeu. Como se fosse por isso, ela já estava no expulsivo, ou seja, a vontade dela de evacuar já era o expulsivo", relatou.

A doula continuou a descrever a situação, "com essa carga ela ficou o tempo todo pedindo desculpa, desculpa, e se culpabilizando pelo o ocorrido. E para além disso, depois de tudo ela ainda foi colocada em uma sala com outras mães que tinham acabado de parir, o que é um absurdo. A colega de quarto dela não sabia que tinha tido perda gestacional, e pediu para ela olhar a bebezinha dela para que pudesse ir ao banheiro. É muito constrangedor e sofrido para quem passa por esse processo de luto, porque a mãe perdeu o bebê e mesmo assim não deixou de ser mãe. Enfim, isso é uma violência obstétrica", explicou.

Para Daniela Freitas, o assunto é pertinente e cabe ao poder público uma campanha onde se promove e divulga informações sobre parto humanizado e os direitos das grávidas, além de reforçar o planejamento familiar em dia, saúde, assistência social e políticas de acolhimento. "É necessário urgentemente o acesso da inclusão desses trabalhos nas comunidades", disse.

Cicatrizes emocionais

Os efeitos desse ato causam traumas e cicatrizes emocionais, podem até provocar mortes por negligência. Para a psicóloga petropolitana Keila Braga, quando uma mulher sofre violência obstétrica, que é uma agressão que ela não tem controle, porque querendo ou não, está gerando uma vida naquele momento e não tem como fazer algo, tomar alguma atitude imediata, cria-se um trauma. "Esse trauma fica latente porque é algo que ela vai lembrar pra sempre. Porque imagina, uma mãe espera que o parto seja tranquilo, claro que em muitos casos vai ser doloroso, mas não é aquela dor pulsante. Na hora de parir vem uma expectativa de ver o filho e senti-lo no colo, e é aí, que em alguns casos, a mulher não vê na hora que está sendo violentada. Ela só percebe depois do parto. Às vezes quando já está em casa, ou quando já teve a alta. Porque ela sente no coração dela e mentalmente que aquilo não era certo", indaga.

O Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente, ressalta que adolescentes, mulheres solteiras, de baixo nível socioeconômico, de minorias étnicas, mulheres negras e pobres e as que vivem com HIV são particularmente propensas a experimentar abusos, desrespeito e maus-tratos.

Mulheres negras são as que mais sofrem violência

A realidade para mulheres negras nesse cenário é pesada, a falsa ideia de que por conta de seus quadris largos e peitos avantajados, são resistentes à dor do parto, faz com que sejam muito afetadas. Um recente estudo feito pelo Ministério da Saúde em conjunto com a Fiocruz mostra que a morte de mães negras é duas vezes maior que a de brancas. Dados da pesquisa apontam que, em 2022, enquanto o número de mortes maternas ficou em 46,56 para mulheres brancas, no caso das mulheres pretas, é mais que o dobro: 100,38 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos. No caso das pardas, a incidência é de 50,36. Nos anos de 2020 e 2021, durante a pandemia de covid-19, a diferença também foi significativa: em 2021, a Razão de Mortalidade Materna (RMM) ficou em 194,8 no caso das mulheres negras (127,6 em 2020); 121 para brancas (64,8 em 2020) e 100 para pardas (68,8 em 2020). Segundo o Ministério, considerando o recorte de mulheres pretas, é importante destacar que dados similares foram registrados em um período muito anterior à pandemia, em 2016, mulheres pretas somaram 119,4 mortes de 100 mil nascidos vivos contra 52,9 em brancas.

A psicóloga Keila Braga fala que a violência contra as mães negras começa antes do parto, durante a gestação elas já vão sofrendo micro agressões durante o pré-natal e os outros procedimentos. "A equipe médica olha esses corpos como resistentes à dor, isso acaba negligenciando a saúde tanto física como mental dessas mulheres, elas ficam horas esperando pelo tratamento, e acabam sendo passadas pelas mulheres brancas. Esse ato pode causar grandes traumas nessas mães. A falta de cuidado entrelaçado com a falsa ideia de que pessoas negras são resistentes à dor, levam mães pretas a morrer durante o parto", disse.

A violência obstétrica está presente no cotidiano de todas as mulheres, principalmente das negras, isso tem a ver com o machismo e racismo estrutural que criou preconceitos que ferem a integridade, dignidade e saúde delas. Frases como "ela tem o quadril largo, não precisa de anestesia, a criança vai sair fácil", "espera aí o bebe vai sair quando é para sair, gente da cor aguenta dor", ou "não grita, tá fraca" são ouvidas a todo momento em corredores de hospitais no país. Para as instituições e grupos sociai, como o projeto Reage Mãe, não basta apenas que a mulher e o bebê sobrevivam ao parto, é preciso garantir um atendimento digno e respeitoso.