O Fórum BRICS de Cidades Verdes, realizado recentemente em Moscou, dedicou um painel à mobilidade verde. Nele, foi apresentado um panorama de iniciativas bem-sucedidas para um transporte urbano mais sustentável, implementadas em cidades dos países membros. Também foram apontados os grandes desafios ainda presentes na transição do modelo de transporte baseado em combustíveis fósseis para o uso de energias limpas. Para as cidades brasileiras, o tema ganha ainda mais relevância, pois a mobilidade urbana já figura entre as três maiores preocupações dos habitantes da maioria delas, ficando atrás apenas da saúde e da segurança pública.
Foram destacados três grandes desafios a serem enfrentados: o primeiro é recuperar os passageiros perdidos do transporte coletivo para o individual; o segundo é aumentar a presença do transporte verde na matriz de mobilidade das cidades; e o terceiro é reduzir a necessidade de tantos deslocamentos longos, custosos e poluentes. Tomo a liberdade de acrescentar um quarto desafio, não mencionado no Fórum: o de encarar os três desafios de forma integrada e sinérgica. As mudanças climáticas não estão dispostas a esperar.
Em um país onde o transporte coletivo urbano vem sendo substituído pelo individual de modo acelerado, e onde os sistemas metroferroviários, incluindo VLTs em operação não respondem nem por 15% dos deslocamentos diários, os ônibus a diesel, junto com automóveis, motos e outros modos, acabam contribuindo com mais de 85% das emissões de gases de efeito estufa nas cidades. O caminho parece ser o de recuperar os passageiros perdidos, transformando, via renovação, a frota de ônibus para veículos elétricos, além de investir continuamente na ampliação e melhoria da oferta de transportes públicos de alta e média capacidade.
Isso sem mencionar que medidas restritivas ao uso de soluções individualizadas também terão de ser tomadas. Ou seja, não podemos melhorar a oferta de transporte público e avançar na mobilidade verde apenas para, depois, convencer o usuário do transporte individual a mudar seus hábitos. Não dá mais para considerar os investimentos necessários como pré-requisitos para mudanças tanto na matriz energética quanto no comportamento da população. Tudo terá de ser feito ao mesmo tempo, de forma conjunta. Quanto mais rápido, melhor.
O desafio é enorme. Não será trivial renovar 100 mil ônibus, substituindo os motores a diesel por elétricos ou híbridos. Isso exigirá recursos públicos e oferta de crédito tanto para municípios quanto para operadores. Também não será simples garantir recursos públicos e/ou privados para os investimentos necessários à implantação de 800 a 1.000 km de linhas de trem e metrô, como indicam especialistas, ou ainda a instalação de cerca de 1.000 quilômetros de novas linhas de BRTs.
Estabelecer metas factíveis, garantir os recursos e financiamentos necessários, integrar os três níveis de governo nas ações e atrair investidores — esses são os requisitos a serem cumpridos. Sem eles, o transporte público não retomará o protagonismo nos deslocamentos cotidianos das cidades, e a mobilidade não ficará mais verde. Precisamos, mais do que nunca, mudar a forma como nossas cidades se movem, para melhorar a vida das pessoas. Não podemos continuar insistindo em melhorias que já não produzem os efeitos esperados.
*Arquiteto e urbanista. Doutorando pela Universidade de Lisboa. Autor dos livros "Prosa Urbana" e "Tempo de Cidade"