Por: Vicente Loureiro*

Tendência não é destino

Zona Oeste vem tendo um crescimento urbano acima do normal | Foto: Marcelo Perillier

Atribui-se a Jean-Jacques Rousseau, um dos mais destacados filósofos do Iluminismo, a autoria dessa frase. Talvez seja um esforço de síntese para dizer que as pessoas podem mudar tudo aquilo que não gostam em suas vidas, desde que se esforcem para evitar a recorrência do que lhes parece indesejável. Fazendo prevalecer assim, os potenciais de plenitude e felicidade nos modos de fazer a vida.

E essa recomendação, dirigida a cada indivíduo, pode ser estendida à coletividade. Ainda que exija o enfrentamento de questões mais complexas e vá além das possibilidades pessoais. Significa dizer que o desenrolar de tendências presentes em uma sociedade também pode ser revertido. O arquiteto e urbanista Jayme Lerner costumava usar essa frase quando queria pôr em xeque prognósticos traçados para o futuro de determinada cidade, como se eles tivessem o poder ou o dom peremptório de estabelecer seu destino. Nem sempre sucede assim, ainda bem.

O censo de 2022, divulgado pelo IBGE e enriquecido com trabalhos preliminares de interpretação desenvolvidos pelo IPP (Instituto Pereira Passos) da prefeitura do Rio, registrou tendências de redução de população em alguns bairros da cidade, bem como apontou possíveis rotas de migração interna, experimentadas principalmente depois do levantamento censitário de 2010. Segundo o arquiteto Carlos Fernando Andrade, tal comportamento da população já se verificava desde finais do século passado. Fato este atestado em sua tese de doutorado de 2009.

Para além da cidade que apresentou crescimento demográfico negativo entre os dois últimos censos, diversos bairros da Zona Norte e da Zona Sul exibiram uma redução significativa de população no período. Boa parte deles perdendo entre 10 e 20% dos moradores. Turiaçú, no entanto, assistiu um terço de seus habitantes sumirem do bairro entre os dois censos. Em contrapartida, na Zona Oeste, destino preferencial das migrações internas verificadas, há bairros com crescimento populacional superior a 50%. O Rio caminha para o oeste e, em alguns casos, com jeito de faroeste, graças ao urbanismo miliciano.

Chama atenção neste fenômeno o desperdício de infraestrutura urbana, incluindo serviços de transporte de alta capacidade, presentes nas regiões da cidade com decréscimo de população. O Rio vem, nas últimas décadas, optando por desenvolver-se de modo extensivo ao invés de aumentar a intensidade do uso da cidade onde ela já existe e funciona, inclusive com capacidade ociosa em alguns lugares. O Plano Diretor, coitado, tem sido instrumento insuficiente para dar conta de reverter tal tendência, infelizmente, com jeito de destino.

É claro que é possível mudar o rumo desse modo de desenvolvimento urbano pouco iluminado e precarizante. Ele tem contribuído para que a cidade, nos quesitos conjunto e evolução, se apresente pior a cada censo. Percebem-se várias causas responsáveis por tal ineficiência urbanística, umas com mais peso que outras. Emerge a urgência de nos convertermos a uma espécie de profecia, já que estamos tratando de construir destino: o Rio precisa acontecer preferencialmente onde ele já existe e fez cidade. Não há alternativa, e isso não é tendência.

*Arquiteto e urbanista