Bate-boca antecipa resistências no STM a punir golpistas

Discussão entre presidente da Corte Militar e ministro revela tensão prévia ao julgamento da perda de patentes dos golpistas condenados pelo STF

Por Tales Faria

Presidente do STM, Maria Elizabeth Rocha - foto de José Cruz - Agência Brasil

Primeira presidente mulher do Superior Tribunal Militar (STM), Maria Elizabeth Rocha chegou ao cargo sob fortes resistências de parte dos ministros da Corte. Não só por ser mulher, mas também por suas teses feministas e críticas ao período de ditadura militar.

Até sua eleição para presidente do STM foi difícil. A regra nos tribunais superiores é do revezamento entre os ministros por antiguidade. Mas, no caso dela, houve empate na votação em sete votos a sete. Coube à própria Maria Elizabeth Rocha desempatar votando em si mesma para poder assumir o cargo.

Nesta terça feira (4) ela se viu obrigada, novamente, a enfrentar resistências. Na abertura da sessão, a ministra rebateu o colega de Corte, o tenente-brigadeiro do ar Carlos Augusto Amaral Oliveira, que criticou seu pedido de perdão às vítimas da ditadura, feito em um evento em lembrança aos 50 anos da morte do jornalista Vladimir Herzog. O jornalista foi um dos assassinados durante o regime militar.

Na sessão da Corte da quinta-feira (30), sem a presença da ministra, Carlos Augusto Amaral Oliveira havia dito que a presidente do STM deveria "estudar um pouco mais de história" para "opinar sobre a situação no período histórico a que ela se referiu e sobre as pessoas a quem pediu perdão".

A ministra afirmou: "A divergência de ideias é legítima. O que não é legítimo é o tom misógino, travestido de conselho paternalista sobre 'estudar um pouco mais' a história da instituição, adotado pelo interlocutor. Uma instituição que integro há quase duas décadas e bem conheço. Essa agressão desrespeitosa não atinge apenas esta magistrada; atinge a magistratura feminina como um todo."

Carlos Augusto Amaral Oliveira disse que não era misógino. Afirmou que a ministra deveria fazer uma reunião para ver se seu pedido de desculpas teria apoio dos colegas. Para ele, Maria Elizabeth Rocha projetou uma imagem negativa do Tribunal.

O pano de fundo do bate-boca, na verdade, é a tensão entre os ministros militares com a decisão que terão que tomar dentro de poucos meses. O STM terá que discutir o caso dos oficiais que já foram e ainda serão condenados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da tentativa de golpe de Estado que culminou na invasão das sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023.

A Constituição de 1988 estabelece que militar condenado a pena de prisão superior a dois anos, com sentença transitada em julgado, deve ser submetido a um julgamento em instância militar para avaliar se ele é "indigno" ou "incompatível" com o oficialato.

Até agora como único condenado a pena inferior a dois anos, o tenente-coronel Mauro Cid, a princípio, escapa desse julgamento.

Mas o STM terá que decidir, por exemplo, se o capitão da reserva e ex-presidente Jair Bolsonaro e estrelados oficiais-generais como Braga Netto, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e Almir Garnier são é "indignos" ou "incompatíveis" com o oficialato.

O STF os condenou a penas de até 27 anos de prisão como comandantes do golpe.

Se considerados indignos na Justiça Militar, podem perder seus postos e patentes nas Forças Armadas, além de uniformes, distintivos e o direito ao porte de armas e à possibilidade de cumprir pena de prisão em organização militar.

O Plenário do STM é composto por 15 ministros — 10 oficiais-generais das Forças Armadas e cinco civis. Tem um peso maior dos militares, com risco de a decisão final se pautar pelo corporativismo da caserna. Isso certamente atingirá negativamente a imagem dos militares.