Yago Dora reafirma o domínio brasileiro no surfe mundial

Por Sérgio Nery*

O brasileiro Yago Dora confirmou o favoritismo e venceu o WSL Finals, a decisão da Liga Mundial de Surfe, disputada em Fiji. O título mundial marcou a oitava conquista do Brasil nos últimos 11 anos e ratificou a hegemonia da chamada Brazilian Storm — geração que tomou para si um esporte antes dominado por australianos e norte-americanos.

Em Cloudbreak, uma das ondas mais desafiadoras do planeta, o surfista de 29 anos mostrou que o surfe mundial fala português em alto e bom som — contraste marcante com o passado, quando os brasileiros eram malvistos nos picos internacionais por fazerem barulho e falarem alto.

Os títulos de Gabriel Medina (3), Adriano de Souza (1), Ítalo Ferreira (1), Filipe Toledo (2) e agora Yago Dora confirmam a supremacia nacional, reforçada pelas medalhas olímpicas de Ítalo (ouro em Tóquio 2021) e Tatiana Weston Webb e Medina (prata e bronze em Paris 2024).

Esse domínio, no entanto, incomoda. O triunfo de Yago em Fiji não é apenas mais um título, mas a confirmação de um predomínio que gera resistência. Há relatos de uma objeção velada dentro da própria World Surf League (WSL) e críticas abertas de surfistas e analistas estrangeiros. O incômodo já alimenta até teorias da conspiração no circuito.

Mudanças no formato da WSL — como a criação do Finals 5 no modelo mata-mata, a valorização do surfe de linha em detrimento das manobras aéreas e critérios de julgamento questionáveis — fomentam teorias de que há um movimento para conter o domínio brasileiro e favorecer atletas de outras nacionalidades. Nos últimos anos, brasileiros, em especial Medina, foram alvo de notas controversas, inferiores às de rivais em ondas equivalentes. Medina se tornou uma das vozes mais críticas da liga.

No surfe, onde o julgamento é subjetivo, divergências são naturais. Mas os brasileiros souberam se adaptar: ajustaram o estilo às ondas de cada etapa, reduziram as reclamações e seguiram dominando um circuito que, em 2025, percorreu 12 picos paradisíacos pelo mundo.

Ainda assim, paira a percepção de que a WSL prefere alternar campeões, vista como estratégia mais atraente para o mercado global. Nessa lógica, nomes como o norte-americano Griffin Colapinto e o havaiano John John Florence, campeão mundial em 2024, são apontados como rostos ideais para a imagem da Liga. Florence, vale lembrar, foi o único capaz de quebrar o domínio brasileiro em três ocasiões nos últimos 11 anos.

Apesar das polêmicas, não há qualquer prova de manipulação deliberada a favor de qualquer atleta ou país estrangeiro. O retrospecto brasileiro na última década derruba qualquer trama conspiratória. Ainda assim, a pressão de atletas e fãs pesou: o modelo do WSL Finals, criado para apimentar o espetáculo mas considerado injusto, morreu na praia. A Liga recuou e voltará ao formato de pontos corridos em 2026. Além disso, surfistas brasileiros — como Medina — têm impacto midiático e nas redes sociais superior à Colapinto e Florence combinados.

A WSL é, antes de tudo, uma empresa privada em busca de lucro e cada vez enfrenta mais dificuldades para sustentar seus números. Para sobreviver, expandiu-se para o mercado global e se afastou do chamado core do surfe - as marcas tradicionais ligadas ao esporte. Em 2025, atraiu patrocínios de gigantes como Apple, Corona e Amazon, além da Red Bull, uma das poucas empresas ligadas à modalidade. Em Saquarema, contou com parcerias locais de Vivo, Banco do Brasil, Natura e Unilever.

Embora muitos surfistas critiquem esse afastamento do core, trata-se de um caminho sem volta: sem grandes marcas, o circuito não se sustenta. No fim, patrocínios e regulamentos não mudam o essencial — o surfe é decidido dentro d'água. E com a prancha nos pés, os brasileiros seguem mostrando quem manda na modalidade.

Yago Dora é o exemplo mais recente dessa força. Nascido em Curitiba em 1996 e criado em Florianópolis, começou a surfar apenas aos 11 anos — tarde para os padrões do profissionalismo. Aos 16, ainda havia dúvidas se chegaria à elite. Sua virada veio em Saquarema, 2017, quando, vindo dos trials, surpreendeu ao eliminar nomes como o tricampeão Mick Fanning, Medina e Florence, caindo apenas na semifinal para Adriano de Souza, o Mineirinho.

Oito anos depois, com muito trabalho, evolução e uma corajosa troca de técnico — do pai, Leandro Dora, para Leandro da Silva — Yago partiu em busca do título mundial. Seu estilo polido e fluido, que une força e elegância nas ondas mais desafiadoras, confirma que o Brasil é celeiro inesgotável de talentos.

Se a alcunha de "país do futebol" ainda ecoa mundo afora, os resultados mais recentes já autorizam uma ressignificação. O Brasil, que aprendeu a dominar não apenas a bola, mas também as ondas, ergue-se definitivamente como o país do surfe.

*Colunista do Correio da Manhã