Por: Sérgio Cabral*

Consciência Negra

A lei estadual 4007 de 2002 do Rio de Janeiro foi a primeira do Brasil ao instituir o feriado estadual da Consciência Negra no dia 20 de novembro. | Foto: Adobe Stock

O racismo é deplorável. Há brasileiros e brasileiras racistas. Fato. Basta assistir a vídeos que as emissoras de TV exibem de racistas agredindo pretas e pretos em diversas situações lamentáveis e assustadoras. Racistas que estão em todos os níveis culturais, sociais e econômicos. Gente que se acha melhor pela cor da pele.

A escravização de africanas e africanos foi negócio rentável inventado pela Coroa portuguesa em meados do século XV. O primeiro leilão de escravizados vindos da África foi realizado em agosto de 1444, na região do Algarve, Portugal. Leilão esse liderado e pessoalmente supervisionado pelo infante dom Henrique, quinto filho do rei dom João I.

O Brasil se transformou no maior território escravocrata do hemisfério ocidental. Foram 5 milhões de escravizados de um total de 12,5 milhões embarcados para a América ao longo de três séculos e meio. A maior brutalidade humana que a América assistiu na sua história. Brutalidade e perversidade maior com o povo africano. Retirado de suas terras como animais . Caçados como bichos selvagens pelos brancos colonizadores. Milhões de africanas e africanos separados de seus entes queridos. Pais e filhos apartados de acordo com os interesses dos negociantes de escravizados e os seus clientes compradores.

O povo preto escravizado trabalhava e o povo branco dominador ocioso vivia às custas da economia escravizada. Na cana de açúcar, nas plantações de café, na mineração, no comércio, na vida doméstica, etc.

O Brasil foi o último país a encerrar a escravidão. Uma triste marca. Assim mesmo o seu fim desestabilizou a monarquia. Os donos do poder não perdoaram a família real.

Hoje é dia de celebrar a resistência. No dia 20 de novembro de 1695 as forças coloniais assassinaram o herói da resistência do Quilombo dos Palmares, em Alagoas: Zumbi dos Palmares foi caçado pelos bandeirantes até a sua morte.

A lei estadual 4007 de 2002 do Rio de Janeiro foi a primeira do Brasil ao instituir o feriado estadual da Consciência Negra no dia 20 de novembro. Como presidente da Assembleia Legislativa estive à frente da aprovação da lei. Muito orgulho e gratidão por isso.

Também como presidente da Alerj fomos pioneiros na primeira lei de cotas para originários de escola pública, pretos, pardos e indígenas no ingresso às universidades públicas do estado. Muito orgulho e gratidão por isso.

Como governador fui autor da primeira lei de cotas em concursos públicos, lei 6.067 de 2011. Em seguida, alguns estados e municípios seguiram nosso exemplo, inclusive o governo federal com a presidente Dilma Rousseff.

Fui criticado em todas essas ocasiões por racistas explícitos e disfarçados. Até mesmo o atual diretor de jornalismo do maior grupo de comunicação do país escrevia artigos deploráveis contra a política de cotas. E foi autor de um absurdo livro: "Não somos racistas", com teses assustadoras sobre políticas de inclusão.

Enfrentamos no passado e enfrentaremos sempre os racistas.

Temos uma dívida impagável com o povo preto brasileiro. Todas as políticas de reparação e justiça são aquém do justo. A sociedade brasileira, por intermédio de suas instituições democráticas, tem resistido aos ataques preconceituosos. O STF tem tomado decisões inequívocas de garantia das conquistas das últimas décadas.

É hora de avançarmos. Racismo é crime. Devemos cada vez mais apertar o cerco legal aos racistas. Garantir cada vez mais a inclusão e a diversidade. Somos um povo plural. Com diversidade de peles, cabelos e modos de vida. E as oportunidades devem ser garantidas a todos. Entretanto, precisamos ter consciência negra dentro de todos nós, a consciência do histórico desumano da escravidão e a falta de oportunidades do povo negro e pardo desse país. Falta de oportunidade que se perpetuou após o fim da escravidão no Brasil. Durante todo o século XX e início desse século.

Imperdível, cara leitora e caro leitor, é a obra de Laurentino Gomes: "Escravidão". Em três volumes o magistral escritor paranaense descreve em detalhes o sofrimento e a perversidade que se praticou em África e na América. Sendo o Brasil o líder da exploração e do massacre humano.

Astrogildo Pereira, grande intelectual brasileiro da primeira metade do século XX, disse, com propriedade: "todo racista é um fdp".

*Jornalista. Instagram: @sergiocabral_filho

 

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