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Ricardo Cravo Albin | Vendilhões do templo

Ricardo Cravo Albin

O país mergulha no estarrecimento quando o presidente da República ordena que o ministro Nunes Marques defenda no Plenário do STF sua decisão monocrática (que irá ao plenário) de abrir templos religiosos em pleno agravamento da pandemia, que, aliás, está a circunscrever o Brasil como pária e perigo entre todas as nações. Esta ideia nefasta já havia sido tomada pelo suspeitíssimo bispo Crivella. E deu em nada. Os vendilhões dos templos querem porque querem as 10 moedas recebidas por Judas ao trair Cristo.

Os erros continuados do governo Bolsonaro não estão apenas passando de qualquer limite, porque exasperam a consciência crítica de um país que, ao abrir os olhos para refletir, não mais se enxerga, não acredita que seja o velho país onde nasceu. Tanto sua geração, quanto a de seus pais, avós e etc.

Um amigo muito religioso entende que Bolsonaro erra pelas ações pontuais. Segundo ele, Bolsonaro é envolvido por uma camada fluída, um verniz chamado de azar. Ou seja, as ações que pessoas pinceladas por esta crosta indefinível são seres que, mesmo até quando bem intencionados, dão sempre errados. Devo logo acrescentar aqui que não acredito em crendices, em pés frios e em seca-pimenteiras. Por isso me dei o trabalho de consultar livros sobre superstições populares. A conclusão possível como explicação de fenômeno que infestam pessoas erráticas é objetiva: os que dão para trás, os que são vistos com temor (ou quase) pelos outros, são vítimas de seus próprios erros.

Não há, segundo teólogos, quaisquer espíritos malignos a infestar quem quer que seja. Uns tantos filósofos entendem que os desacertos que aparecem mais que os acertos são apenas a fruição da educação precária recebida desde os bancos escolares, pelas famílias, e até mesmo por influência de más companhias. Ou por ambições extremas de poder.

Quero confessar aqui meu constrangimento em fazer considerações negativas ao cobrar do presidente aquilo que 10 entre 10 analistas políticos requerem: coerência e clareza de pensamentos, aceitação de teses científicas que nada têm a ver com conexões políticas daquilo que ele chama de extrema direita.

Como por exemplo a ala ideológica da ação criminosa que se apelidou de “fake news”. Bolsonaro, contudo, parece errar até quando aparenta acertar. Entre os seus múltiplos tiros nos pés, está o comitê com os chefes dos Três Poderes para acompanhar (e unificar?) a tragédia do crescimento da pandemia nesse trimestre inicial do ano.

O último vexame foi a bisonha ação do governo tentando impedir no Supremo a ação de estados que decretaram lockdowns em suas principais cidades. Nada mais errático em termos de tudo. Em especial no desconhecimento científico adotado por inúmeros países. Com a desfaçatez de ignorar uma regra agora universal: a se salvar alguém, que se salvem vidas e depois a economia.

Aliás, sobre isso, em recente mesa redonda na TV, a pergunta torpe me foi desferida – “Mas você preferia morrer de fome em casa ou em hospital com covid?” A resposta, indignada, não tardou: Mil vezes de fome em casa a ser assassinado em hospital pela falta de tudo, inclusive de intubação.

A troca do comando da Saúde já começa a preocupar, quando o ministro Queiroga declara que lockdown “não pode ser política de governo” e “somente usado em situações extremas”. E, agora, ministro, em que momento estamos depois da paralização de 10 dias, estendida por mais uma semana? As mortes e os infectados diminuíram?

Reflitamos que a estratégia de confinamento só dá certo quando houver um discurso único do poder público sobre a importância do distanciamento, reforçado por medidas punitivas pesadas para quem violar as normas obrigatórias. No Brasil, ninguém guarda ilusão de que gestores públicos são obrigados a prover coerção pesada. E esquecer adesão voluntária, que é frouxa e leniente. Acordem!

O presidente, que parece viver em Marte, quer vestir capa de cordeiro ao determinar ao seu recém nomeado Ministro do STF que entenda qualquer coerção como violação da liberdade individual? Um deboche que a cidadania consciente reprova. Meu Deus, onde está a cabeça de Bolsonaro? Pensamento transgressor como esse infecta todo o tecido social e pode levar à morte milhares de cidadãos. Resta rezar pela volta à sanidade do nosso descontrolado presidente.

Tem razão plena o Exército em precaver a nação contra os impasses que Bolsonaro parece tentar armar. Inclusive, fica claríssimo agora o porquê de tanta bajulação e proteções orçamentárias às forças paralelas, como a PM, Bombeiros e até Polícia Civil, mesmo a Rodoviária. Esse método de cooptação por baixo dos oficiais inferiores foi adotado por Hugo Chavez para instaurar a tragédia que até agora vitima a Venezuela.

Se os chefes militares não saírem em defesa da autoridade militar, as forças secundárias sairão em seu socorro? Nessa trágica hipótese, haverá guerra civil, no espelho da Revolta dos Marinheiros, esboçada no discurso de Jango na Central do Brasil, estopim do 31 de março de 1964. Rezemos pelo Brasil em nossas casas. Jamais em templos entupidos e contaminados.

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