Carta de solidariedade das entidades financeiras ao Banco Central agrava confronto com o STF
Afiliados da Febraban, ABBC, Acrefi e Zetta venderam R$ 32,5 bilhões de CDBs do Master com aval do BC e do Fundo Garantidor
Afiliados da Febraban, ABBC, Acrefi e Zetta venderam R$ 32,5 bilhões de CDBs do Master com aval do BC e do Fundo Garantidor
No próximo dia 31 de dezembro, dois diretores do Banco Central (BC) terminam seus mandatos. São os últimos indicados pelo governo Bolsonaro. Em 2026, todos os nove dirigentes do BC serão indicados pelo governo Lula. Um cenário que muda as decisões colegiadas da instituição.
A reação das principais entidades que representam o sistema financeiro - Febraban, ABBC, Acrefi e Zetta - assinando uma nota conjunta em pleno sábado, 27 de dezembro, contrapondo o que eles chamam de "ingerência do poder judiciário no órgão regulamentador", revela um movimento sincronizado entre o fiscalizado e o fiscalizador, exatamente o que o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal de Contas da União (TCU) querem apurar. O ministro Dias Toffoli, o STF e o TCU não são citados nominalmente nas recomendações oriundas de cautelosos advogados das instituições financeiras.
Para as entidades do setor financeiro não interessa que o assunto da liquidação do Banco Master seja remexido sem o controle deles. Querem colocar uma pedra tumular sobre o banco e seus dirigentes e virar a página. Como se isso fosse possível.
Existem 32,5 bilhões de razões para que o tema caia em esquecimento
Só três instituições filiadas as essas entidades que tentam deter a decisão do ministro Dias Toffoli, segundo o site E-Investidor, um braço independente do grupo do jornal Estado de São Paulo - ironicamente um veículo controlado por bancos e que atira contra o STF -, que deixou escapar uma apuração na qual relata que: "a XP e o BTG Pactual venderam R$ 32,5 bilhões em Certificados de Depósito Bancário (CDBs) do Master. A título de comparação, o volume responde por 65% do total de recursos que o banco, hoje liquidado, conseguiu captar via emissão de CDBs e Depósitos Interbancários (DI) em 2024, segundo investigações do Ministério Público Federal (MPF)."
Na mesma apuração, o site do Estadão revela que: "a XP lidera o volume de vendas, com R$ 26 bilhões em CDBs, enquanto o BTG Pactual distribuiu R$ 6,7 bilhões. O Nubank também possui uma participação relevante de R$ 2,9 bilhões, mas, ao contrário das demais instituições, o roxinho não conta com o serviço de assessores na recomendação desses produtos."
Os assessores de investimentos das instituições das entidades do setor financeiro, que agora reclamam em nota conjunta da posição do STF e TCU de conter o ímpeto investigação sobre as decisões do Banco Central, eram bem remunerados pela indicação dos papéis do Master. As próprias instituições recebiam comissionamento diferenciado pelos investimentos, oferecidos democraticamente no limite das garantias do Fundo Garantidor e usando o aval do Banco Central para que estivessem no mercado.
Foi um grande negócio para quem vendia e para seus prepostos, o que levou a XP a fazer uma "mea culpa" e reavaliar sua forma de agir.
O site E-Investidor revela ainda: "segundo fontes próximas ao assunto, a comissão para a venda dos CDBs do Banco Master aos assessores de investimento da XP girava em torno de 0,3% ao ano, em linha com os demais ativos. Se o título tivesse um período de cinco anos, o retorno sobre a venda do investimento poderia chegar a 1,5%. As plataformas e instituições financeiras que comercializavam os Certificados de Depósito Bancário (CDBs) do Banco Master chegaram a receber comissões de até 5% sobre o valor dos títulos vendidos, com uma média reportada de 4%. Essas comissões eram significativamente mais altas do que as pagas por bancos maiores e mais sólidos (chegando a ser oito vezes maiores, segundo relatos), o que incentivava a distribuição massiva dos produtos do Master.
Uma apuração do UOL Economia afirma, em 18 de novembro passado: "O Banco Master e suas subsidiárias chegaram a pagar comissões de até 5% para grandes plataformas de investimento como XP, BTG e EasyInvest (hoje Nubank) distribuírem seus CDBs, segundo relato de fontes ouvidas pela coluna. Assessores ouvidos pela reportagem dizem que as comissões eram de 4% na média. Reservadamente, corretoras contestam e falam em 2,5% no máximo. Com um saldo de captação em torno de R$ 50 bilhões, as comissões renderam alguma coisa entre R$ 1,25 bilhão e R$ 2 bilhões às plataformas e aos assessores de investimentos".
Informações vazaram antes do conflito com o STF e TCU
O Banco Central fiscalizava tudo e a venda dos papéis do Master, muito bem comissionados, levaram a XP a expor seus clientes em uma impressionante volume de R$ 26.000.000.000 (vinte e seis bilhões de reais).
Os grandes escritórios de advocacia se debruçam agora sobre os riscos das responsabilidades das plataformas de terem incentivado, de forma atípica, a compra desses papéis pelos seus clientes. Se aqueles que aplicaram no limite do Fundo Garantidor não terão prejuízo direto, há aqueles que ficaram acima, por confiarem nos seus assessores de investimentos. É aí que mora o perigo, principalmente com a comprovação da existência de um interesse atípico, motivado por uma comissão diferenciada, na qual estavam acima do zelo pelo investidor.
Impossível colocar uma pedra tumular no caso Master
É a primeira liquidação de um grande banco a luz de um "Banco Central independente". Só a sincronização da nota das instituições financeiras contra uma decisão do ministro do STF de promover uma acareação entre as partes envolvidas não seria motivo de reações tão extremas. A lógica era simples e pode ser traduzida em uma manifestação de um representante do Banco Itaú, em uma reunião dos dirigentes do Fundo Garantidor sobre o Master: "Não sei o que estamos fazendo aqui. A solução é simples, LIQUIDAR!"
O que seria simples se complicou. Não esperavam um conflito aberto com o STF. Não contavam com um pedido de informações do TCU ao BC. Erram ao achar que o STF, depois de toda a liberdade que teve e do serviço que prestou a sociedade, iria agora ficar de cócoras com o vazamento de contratos ou de carona em jato. O mapeamento das ferramentas de mídia utilizadas para coagir o Supremo se mostrou pífio. A Corte não se dobrou a uma chantagem midiática porque não há nada de ilícito ou ilegal cometido pelos seus membros. Como disse de forma lúcida e até corajosa, ao se colocar contra o efeito manada da mídia, o jornalista Ricardo Bruno, da Agenda do Poder: "O problema, segundo a narrativa construída, não estaria em qualquer decisão do ministro em favor do banco, mas no valor do contrato — supostamente acima da média de mercado. Um argumento frágil. O montante de um contrato, por si só, não configura crime nem indício de deslize ético. Revela apenas uma negociação bem-sucedida diante de um cliente em posição jurídica delicada. Nada além do jogo normal das relações privadas."
Para as entidades que ficaram expostas na solidariedade ao Banco Central, após a nota pública da Febraban, ABBC, Acrefi e Zetta, vai ser difícil colocar uma pedra tumular na questão da liquidação do Master. Este ente misterioso criado pela mídia e rotulado de "Faria Lima" pela primeira vez encontrou um obstáculo difícil de transpor. Não há instância maior que o Supremo. Aliás, demonizar o STF é ruim para o país. Quem precisa de código de conduta é a Faria Lima e o próprio Banco Central. Existem 32,5 bilhões de razões para que o tema não caia em esquecimento como a "Faria Lima" queria. São nestas horas que a sapiência e comedimento de um Amador Aguiar, de um Lázaro Brandão ou de Olavo Setúbal fazem falta.
*Diretor de Redação do Correio da Manhã
