Por:

PINGA-FOGO

SUJEIRA NO LIXO - Uma mudança considerada suspeita e curiosa marcou a licitação milionária da Prefeitura de São Francisco de Itabapoana para os serviços de limpeza urbana. O primeiro edital, publicado em fevereiro, previa a contratação pelo valor de R$ 9,8 milhões. Poucos dias depois, o certame foi suspenso sob a justificativa de "adequações técnicas".

Quando o novo edital veio a público, o valor estimado saltou para R$ 14,4 milhões — um aumento de 47% — e trouxe uma série de novas exigências que restringem a participação de empresas. Entre elas, a inclusão do requisito de atestado para trituração de entulho (RCC), um serviço acessório que pouco se relaciona com a atividade-fim da contratação, mas que, na prática, apenas uma empresa da região tem condições de comprovar.

Além disso, foi mantida a proibição de consórcios, medida que já foi rechaçada em decisões anteriores do Tribunal de Contas e da Justiça em licitações de municípios fluminenses por reduzir a competitividade. Também foram ampliadas as exigências de qualificação técnica, como tempo mínimo de experiência e necessidade de certidões específicas junto a órgãos ambientais.

Essas alterações reforçaram a suspeita de que a concorrência estaria direcionada ao grupo União Norte Fluminense, que historicamente detém contratos semelhantes em cidades da região e já possui atestados de trituração de RCC.

HISTÓRICO E IRREGULARIDADES - O grupo União Norte e empresas coligadas acumulam um histórico de denúncias de superfaturamento, direcionamento e corrupção em diversos municípios fluminenses: Macaé - Contratos de limpeza urbana firmados com a União Norte foram alvo de apontamentos por superfaturamento milionário, com sobrepreços identificados em auditorias do Tribunal de Contas; Quissamã - Em 2017, o TCE-RJ apontou sobrepreço de 666,57% em contrato firmado com a União Norte, classificando o valor como desproporcional e lesivo ao erário; Conceição de Macabu (2025) - A prefeitura lançou edital de limpeza urbana com exigências semelhantes às agora vistas em São Francisco de Itabapoana: vedação de consórcios, atestados de difícil obtenção e cláusulas restritivas. O Tribunal de Contas interveio, determinando ajustes por considerar que o certame restringia a concorrência e poderia estar direcionado; Operação Calicute - O executivo Marcos Andrade, irmão de Rafael Andrade (atual administrador da União Norte), firmou acordo de delação premiada em que revelou o pagamento de propina a conselheiros do TCE-RJ para facilitar contratos públicos de empresas ligadas ao grupo.

Esse conjunto de fatos reforça o padrão de atuação: elevação dos valores licitados, exigências técnicas restritivas e vínculos com práticas investigadas por corrupção.

DENÚNCIA AO MP E AO TCE - No caso específico de São Francisco de Itabapoana, uma denúncia já foi protocolada junto ao Ministério Público e ao TCE-RJ, relatando as alterações do edital, o aumento expressivo de quase 50% no valor e a inclusão de cláusulas restritivas que favorecem diretamente a União Norte.

PRINCÍPIOS VIOLADOS - Especialistas em direito público destacam que, ao moldar um edital sob medida para uma única empresa, a Prefeitura pode ter violado princípios constitucionais como a isonomia, a impessoalidade e a ampla competitividade, previstos na Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021).

Enquanto o processo segue em análise, cresce a pressão para que os órgãos de controle apurem se a licitação da limpeza urbana em São Francisco de Itabapoana representa apenas mais um episódio em uma longa série de práticas que beneficiam o grupo União Norte, em prejuízo da concorrência e, sobretudo, dos cofres públicos.

ROYALTIES NA PAUTA - Aprovado na Comissão de Finanças e Tributação no último dia 27 de agosto, o PL nº 4.504/2023 segue para a CCJ da Câmara. De autoria dos deputados Dimas Gadelha (PT-RJ) e Washington Quaquá (PT-RJ), a proposta permite que os municípios que recebem royalties pela exploração de óleo e gás possam destinar parte dos recursos para um fundo de auxílio às cidades vizinhas, os chamados "municípios confrontantes". O objetivo é promover "desenvolvimento regional equilibrado". A gestão do fundo ficaria a cargo de um comitê formado por representantes tanto dos municípios produtores quanto dos beneficiados.

IMPACTO NOS ESTADOS - No Rio de Janeiro, o número de cidades beneficiadas saltaria de 17 para 70, passando a incluir municípios como São Gonçalo, Guapimirim e Magé, que hoje não recebem royalties, apesar de sentirem o impacto da produção na Bacia de Campos. Em São Paulo, o impacto seria similar, com estimativa de benefício a 70 municípios, incluindo os vizinhos de Ilhabela e São Sebastião (envolvidas na produção offshore na Bacia de Santos), Araçatuba (produção onshore da Bacia do Paraná), Paulínia e Cubatão (que possuem instalações críticas da Petrobras).

'NÃO É UMA ILHA' - "O desenvolvimento não é uma ilha. Por mais rico que seja em royalties, nenhum município se desenvolve sozinho se estiver cercado por um mar de carências. As estradas que escoam a produção, os trabalhadores que moram nas cidades vizinhas, a infraestrutura que sustenta a operação, o impacto no meio ambiente, tudo isso está espalhado pela região, não confinado dentro de um único município. Nossa proposta é um convite à cooperação. Estendemos a mão para que os produtores possam, voluntariamente, ser agentes do desenvolvimento regional integrado e equilibrado", defende o deputado Dimas Gadelha.

"Niterói está disposta a contribuir com esse fundo - desde que tudo esteja dentro da legalidade, com transparência e respeito às leis federais e ao marco regulatório do setor petrolífero. Niterói e São Gonçalo são cidades irmãs", postou recentemente no X, sobre o projeto, o prefeito de Niterói, Rodrigo Neves (PDT).

PRÓXIMOS PASSOS - O PL segue agora para a análise conclusiva na CCJ, na qual será avaliada sua constitucionalidade. Se aprovada, a proposta precisará passar pelo plenário do Senado Federal para se tornar lei.