O erro fatal da infestação de militares no Planalto no governo Bolsonaro

Coluna Magnavita

Por Cláudio Magnavita*

Palácio do Planalto

Há exatamente um ano, em 24 de novembro de 2023, o ministro do STF Gilmar Mendes afirmava de forma premonitória: "As ameaças que vieram de setores das Forças Armadas contra este tribunal e contra a democracia não merecem resposta. Até agora continuam elegíveis os militares". Ele defendia a aceleração da tramitação da PEC 42/2023, que obriga o militar a se aposentar para disputar eleição ou assumir ministério. O ministro voltou ao tema esta semana, em entrevista na Globonews, sobre o complô de quatro militares, três oficiais da ativa e um general da reserva para eliminar o então presidente eleito Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do STF e então presidente do TSE, Alexandre de Moraes.

Os documentos revelados pela Polícia Federal revelam este nefasto plano elaborado na alcova do Palácio do Planalto e é o ápice da doentia infestação da máquina pública por militares da reserva e da ativa após a posse do então presidente Jair Bolsonaro.

O maior erro foi trazer a impressão que governo de direita é governo militarizado. Aliás, a direita brasileira não pode ficar envergonhada com este complô golpista pilotado pelo general Mário Fernandes e seus comparsas. Estes quatros desonram a farda que usaram ou ainda usam.

O grande erro histórico de Jair Bolsonaro foi ter militarizado o núcleo de poder. Nomear, principalmente, generais e almirantes para ministérios e cargos no primeiro escalão. Era um capitão afastado das Forças Armadas cercado de oficiais de alta patente. Isso trouxe uma bolha de irrealidade ao núcleo de poder e reviveu traços do regime militar. Não tinha como dar certo. Como tubarões excitados pelo sangue, esta turma se lambuzou com o gosto do poder e tentaram tudo para mantê-lo, até criar esta operação 'Punhal Verde Amarelo'. Sandice pura.

A distorção da realidade era tanta que o general Santos Cruz só chamava o presidente de Bolsonaro e nunca de Senhor Presidente. Desdém total.

Ao colocar o general Hamilton Mourão como vice, Bolsonaro colocou a sua cabeça na guilhotina de um núcleo militar que apostava que poderia defenestrá-lo do poder e colocar o linha dura na Presidência.

Foi de Mourão a primeira grande insubordinação em 2016, contra o governo Dilma Rousseff, que resultou na perda do Comando Militar do Sul e foi transferido para a Secretaria de Economia e Finanças. Dois anos depois, ao defender intervenção militar pelos escândalos do governo Temer, foi novamente afastado.  

Escolhido e eleito vice-presidente, Hamilton Mourão sempre esteve a um passo de sentar na cadeira de presidente e até a esquerda evitava falar de impeachment de Bolsonaro por ser o sucessor natural o linha dura.

O documento da operação 'Punhal Verde Amarelo' previa um núcleo de Crise comandado pelos generais Heleno, Braga Netto e Mário Fernandes.

No governo Bolsonaro, patente era pré-requisito para cargo de primeiro escalão. O almirante de esquadra Bento Albuquerque foi ministro de Minas Energia e está no epicentro do escândalo das joias. Até nas agências de estado a patente garantia o cargo.  

O governo ficou arejado com a chegada de Ciro Nogueira como ministro da Casa Civil e de novos titulares civis para a secretaria de governo. Se na reeleição a candidata a vice fosse a então ministra Tereza Cristina, a chance de vitória seria outra. Colocar Braga Netto na chapa foi um erro fatal, nas urnas e até em caso de vitória.

Colocar os militares de volta aos quartéis, de onde nunca deveriam ter saído, é agora gênero de primeira necessidade para a estabilidade democrática do país. A PEC 042/2023 deve ganhar força e será um passo.

A derrota de Bolsonaro em 2022 ceifou a cabeça desta gulosa serpente que distorceu a imagem da direita. Ser de direita é uma posição ideológica e não significa ter uma divisa no ombro. Nomes da direita civil, como o direitista histórico Ronaldo Caiado, Ratinho Júnior, Cláudio Castro e, de certa forma, Tarcísio Freitas, que apesar de capitão foi purificado por ter trabalhado em governo do PT, tem uma avenida eleitoral aberta pela frente.  

No núcleo duro do bolsonarismo no Planalto, formado pelos generais Luís Eduardo Ramos, Augusto Heleno e Walter Braga Netto, o inconformismo com a derrota para o PT encontrou um terreno fértil para todas as teorias de conspiração. Este núcleo é formado por oficiais da reserva, uma geração que assistiu o final dos governos militares. Foi neste terreno que ultrapassou-se a linha do bom senso, planejando um colapso institucional à partir de assassinatos. Não há como ficar impunes. Aliás, é das próprias Forças Armadas que deve partir a condenação destes atos, que foram planejados, arquitetados, medidos, projetados e colocados no papel por pessoas que colocaram a sua sede de poder acima do amor e respeito à pátria.

O ministro Gilmar Mendes foi cirúrgico em cobrar uma solução através de uma PEC que se arrasta no Congresso. A própria direita, que ganhou musculatura nas urnas, deve também exigir punição e que os militares retornem aos quartéis e aos seus deveres constitucionais. Arroubos como o do general Villa Boas, como foram feitos em direção ao STF no episódio do HC de Lula, que permitiria sua candidatura ou do general Mourão contra Dilma e Temer, devem ser rigorosamente punidos. A sociedade civil não deve aceitar mais esta infestação militar em estruturas governamentais, como trouxe a eleição de 2018 e, erradamente, foi chancelada por Bolsonaro, que agora pode ser punido pela proximidade com os sanguinários e loucos que nomeou e se cercou.

 

*Diretor de Redação do Correio da Manhã