Por: Cláudio Magnavita*

Coluna Magnavita | Caso Marielle: A enorme responsabilidade de Paulo Gonet após o relatório da Policia Federal

Sede da Procuradoria Geral da República em Brasília | Foto: José Cruz/ Agência Brasil

Documento não delimitou o objeto da investigação e nem individualizou as ações dos investigados

Por Cláudio Magnavita*

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, cometeu um perigoso ato falho na coletiva de imprensa neste domingo (24), quando atribuiu a solução do Caso Marielle Franco ao novo governo eleito em 2022 e a liberdade investigativa que a Policia Federal passou a ter. Sempre cuidadoso com as palavras, Lewandowski deveria ter evitado politizar um caso tão delicado e de comoção nacional. Esta narrativa corroe a credibilidade dos resultados anunciados, principalmente pela surpreendente inclusão de um terceiro personagem entre os presos, o delegado Rivaldo Barbosa, nomeado e empossado pelo interventor de segurança, general Braga Netto, chefe da Policia Civil na véspera do brutal assassinato da vereadora Marielle e do motorista Anderson.

Ricardo Lewandowski esquece que não existe a Policia Federal do Lula ou a PF do Bolsonaro. Ela é um órgão de Estado e não de Governo. Outra falha do ministro foi dizer cinematográficamente: "Caso Encerrado". Os irmãos, Domingos e Chiquinho Brazão, e o delegado Rivaldo estão presos de forma temporária. A busca e apreensão que sofreram — e dos outros investigados — irão produzir provas tanto da culpa ou da inocência, já que toda a operação tem como pilar uma única delação premiada.

Associar o delegado Rivaldo a Braga Netto é um exercício tão perigoso como relacionar a família Brazão a Lula e Dilma, já que tiveram o apoio eleitoral desta família. Colocar em cena o ex-candidato a vice da chapa derrotada em 2022 é tecer um fio de uma teia que desafia a soberania dos fatos.

Há seis anos, o Rio estava sob intervenção federal decretada pelo presidente Michel Temer. O general era o Comandante Geral do Leste e assumiu a missão por determinação de Temer. O secretário de Segurança era o general Richard Nunes, a quem coube a missão de escolher o chefe de polícia. Dois nomes foram analisados: os delegados Rivaldo Barbosa e Rodrigo Oliveira, hoje aposentado e trabalhando na Souza Cruz. Os dois conheciam o secretário de segurança anteriormente, na época da ocupação da Maré. Houve uma sabatina e o nome de Barbosa foi escolhido. O ato de nomeação foi assinado por Braga Netto, que, no papel de interventor, tinha o poder equivalente a de governador na área, sob intervenção federal. Nesta época não se falava de política e a possibilidade de candidatura de Bolsonaro era vista como uma piada.

Ao politizar um resultado de apuração que deveria ter a mesma serenidade da condução que o ex-ministro da Justiça, Flávio Dino, deu ao caso, Ricardo Lewandowski abre a porta para alguns questionamentos. Dino, hoje no STF, teve uma passagem eloquente no MJ, porém, foi sempre cauteloso na questão do caso Marielle. É mérito seu não permitir que o assunto fosse contaminado com açordamento e politização.

O primeiro questionamento que deve ser colocado na mesa é sobre quem prendeu os executores Ronnie Lessa e Élcio Vieira de Queiroz? A resposta é surpreendente. Foram as mesmas pessoas que hoje são acusadas de terem obstruído a apuração e até terem idealizado o crime, segundo o relatório final da Policia Federal. Não há lógica neste paradoxo. A investigação no Rio foi meticulosa, com imagens de câmeras juntadas, depoimentos, descarte de falsas pistas — uma das testemunhas foi levada por um delegado da Policia Federal até a chefia da Policia, que causaria danos à investigação se prosperasse. Se os assassinos estão na jaula é por que a investigação ocorreu com a delimitação do objeto da investigação e a individualização das ações dos investigados. Hoje são réus confessos e assinaram um termo de delação depois de cinco anos de cárcere, com o objetivo de obter beneficio.

Quem lê as 479 páginas do relatório final do inquérito policial 2023.0059871-SR/PF/RJ - Inq n.º 4954/DF, descobre que falta algo fundamental, depois da parte reservada a transcrever a investigação da Policia e do MPRJ: a delimitação do objeto da investigação. Do que se trata o relatório? É sobre o assassinato da Marielle Franco ou um diagnóstico da situação política do Rio, da atividade do submundo fluminense ou um compêndio de investigações anteriores e diversas? O que se investiga é um crime hediondo, um assassinato por motivos torpes, que sangrou o Brasil e o mundo.

Falta, principalmente, a individualização das ações dos investigados. O que cada um fez e quando? Só na parte referente aos executores existe uma precisão. É fruto da apuração do Ministério da Justiça do Rio e da Policia Civil Fluminense. Pulando este trecho, que é preciso, deparamos com uma colcha de retalhos que tenta justificar uma narrativa que dará muito trabalho ao Ministério Público Federal e ao Procurador-Geral da República, Paulo Gonet.

Em um dos trechos, é possível ler: "Apesar de o general RICHARD NUNES negar qualquer ingerência na escolha de RIVALDO BARBOSA, o fato é que a passiva gestão dos militares à frente da Segurança Pública do Rio de Janeiro; sua falta de traquejo para manejar as vicissitudes do jogo de poder fluminense; sua vinculação a um Presidente da República do PMDB; bem como a manutenção da nomeação de RIVALDO mesmo após a contraindicação da Subsecretaria de Inteligência, são fatores indiciários do contrário."

É preciso reler para acreditar. Está escrito no relatório final: "a passiva gestão dos militares à frente da Segurança Pública do Rio de Janeiro" ou ainda "falta de traquejo para manejar as vicissitudes do jogo de poder fluminense; sua vinculação a um Presidente da República do PMDB"… Tudo subjetivo. Uma análise soberba e típica de articulistas políticos de jornais. Cadê os fatos? Vale lembrar que até hoje sentimos os efeitos da intervenção, que reequipou as forças de segurança e colocou a Policia Civil, Militar, Penal e Bombeiros em um patamar único no país.

Este relatório é semelhante a uma pirâmide invertida, similar as pirâmides humanas dos desfiles de 7 de setembro nas motos da PF ou PRF, com dezenas de pessoas se equilibrando em duas rodas. A base é uma delação premiada de um criminoso confesso, que entrega dois políticos que negam veementemente os seus envolvimentos, e um delegado da Policia Civil que tem a estima dos seus pares. A revolta e indignação no seio da corporação da civil é enorme. A condenação midiática já foi praticada com um requinte inimaginável de crueldade. No Brasil, a regra de presunção de inocência, na qual, nos estados democráticos, todos são inocentes até que prove o contrário, foi rasgada.

Vale lembrar ao ministro Ricardo Lewandowski que o seu presidente, eleito em 2022, a quem atribui o sucesso das investigações, foi uma das maiores vítimas de delações, hoje derrubadas pelo próprio STF, do qual já participou por 14 anos. Se Domingos e Chiquinho Brazão, com Rivaldo Barbosa, forem comprovadamente culpados, que apodreçam na cadeia.

A maior homenagem que se pode fazer a memória de Marielle Franco e Anderson Gomes é seguir o exemplo de Flávio Dino e exigir uma investigação com a individualização das ações dos investigados e que se delimite o objeto da investigação, sem ficção e politização. No cenário que está, caberá ao PGR Paulo Gonet o papel histórico de colocar ordem na casa. Fazer a justiça funciona a partir de fatos reais.

*Diretor de Redação do Correio da Manhã

 

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