Coluna Magnavita | Empresa do xerife do consumidor tem negócios milionários com supermercados
Agência de publicidade do Secretário de Defesa do Consumidor do Estado do Rio ganha conta de R$ 30 milhões da Rede Economia
Agência de publicidade do Secretário de Defesa do Consumidor do Estado do Rio ganha conta de R$ 30 milhões da Rede Economia
Sim. Existe algo sagrado nas relações de consumo: são os órgãos de defesa do consumidor. Eles servem para equalizar a briga de Davi e Golias, na qual a população sempre saia perdendo, antes da criação dos Procons e similares.
As reclamações dos consumidores com os supermercados são frutos de uma relação do dia a dia e uma das mais relevantes. Grande parte do salário do trabalhador é destinado a colocar comida na mesa. Ou seja, ficam com os supermercados. Ter os órgãos de defesa do consumidor isentos e vigilantes, é uma salvaguarda para o cidadão.
Como explicar à D. Maria, que está no caixa de uma das 100 lojas do supermercado da Rede Economia, com o seu dinheiro contado, com produtos que foram escolhidos para caber no seu apertado orçamento, que o xerife que deveria defender o consumidor fechou para a sua empresa de publicidade um contrato anual de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais) e que recebe, mensalmente, R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais)? Ela vai acreditar que este consórcio, formado por 12 redes de supermercados de porte médio e espalhada por todo lado estado, será fiscalizado com a isenção que ele tanto precisa?
É exatamente este cenário que se formou no Estado do Rio de Janeiro com a nomeação, no último dia 23 de outubro, do secretário Estadual de Defesa do Consumidor, Gutemberg de Paula Fonseca, que tem na sua pasta o Procon Estadual. A confirmação da sua nomeação como 'Xerife do Consumidor' do Governo do Estado foi manchete do Correio da Manhã no dia 17 de outubro. O governador Cláudio Castro acatava a indicação pessoal do senador Flávio Bolsonaro e Fonseca era comunicado, entregando os documentos necessários para a nomeação.
Nos dias 17 e 18 de outubro, quatro grandes agências de publicidade do Rio, entre elas uma multinacional, desfilavam na sede da Rede Economia, atendendo um convite para disputar uma das maiores contas de varejo carioca. Os diretores das agências faziam suas apresentações técnicas, para as quais haviam se preparado, contratando especialistas e consultores de varejo. O investimento de uma agência para conquistar uma conta deste porte está entre R$ 50.000,00 a R$ 100.000,00. Exatamente o que ocorreu para as apresentações naqueles dois dias. Participaram as agências 3A, 3mais, ECom, Jor e a multinacional WMcCann Rio, além da pequena YXE, que já atuava na conta e lutava contra o desejo de mudança, materializado com o convite para estas empresas renomadas dizerem proposta.
Alguns dos participantes do mercado publicitário nunca tinham ouvido falar da YXE, uma micro empresa, com capital social de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), no Recreio dos Bandeirantes. Ela tem como sócios Viviane Olímpia Mesquita Santos (a administradora) e o seu marido, o publicitário Gutemberg de Paula Fonseca, que no seu LinkedIn se apresenta como CEO.
Além de ter como principal cliente a Rede Economia, a agência conquistou algum protagonismo ao fazer parte do vídeo da campanha de reeleição do prefeito Marcelo Crivella. Apesar de ter sido secretário de Ordem Pública e da extrema confiança do prefeito, a agência de Fonseca processou Crivella, na pessoa física, por uma dívida de campanha não honrada pelo Partido Republicano, de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais).
Propostas apresentadas, algumas delas aplaudidas e concretizado o desejo de mudança, o processo seletivo passou a ser conduzido por três dirigentes da Rede Economia responsáveis pelo Marketing. O presidente da Rede, Adelino Ribeiro Alves, afirmou à coluna que não participou da seleção.
Na primeira semana de novembro, o mercado aguardava ansiosamente a decisão da Rede Economia sobre a nova agência que teria o controle da verba anual de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais). O conceituado site especializado Janela Publicitária publicou, no dia 07 de novembro passado, a notícia que surpreendeu as grandes agências com o título: "Rede Economia renova sua conta na YXE, após concorrência".
Uma coincidência colocou uma pulga atrás da orelha dos publicitários. O Diário Oficial do Estado publicou, no dia 23 de outubro, a nomeação do publicitário Gutemberg Fonseca como secretário estadual de Defesa do Consumidor, pasta a qual o Procon Estadual está subordinado.
Presidida por Adelino Ribeiro Alves, a Rede Economia é, na realidade, Rederj - Associação Redeconomia de Supermercados do Estado do Rio de Janeiro, inscrita no CNPJ 03.192.886/0001-00, como Associação Privada e código de atividade 94.11-1-00, referente a atividades de organizações associativas patronais e empresariais, que tem como objetivo as atividades de organizações associativas patronais e empresariais representam o segmento interessado no desenvolvimento, aprimoramento e prosperidade de empresas e companhias. Compreende também as atividades de confederações, federações e associações empresariais e patronais, voltadas para a representação (perante órgãos governamentais) e para a difusão de informações. Finalmente, essa classe também se relaciona com as atividades de câmaras de comércio (e organizações e corporações similares). A sua sede é na Avenida Salvador Allende, 6555, 2º Andar do Pavilhão das Artes, Sala 105 e é presidida por Adelino Ribeiro Alves, desde 31 de janeiro de 2020.
Adelino Ribeiro Dias é sócio fundador do Supermercados Feira Nova, sociedade empresarial registrada no CNPJ 36.525.319/0001-88, com capital social de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais) e matriz em São João do Meriti. É um dos líderes desse consórcio de empresas que contratou a agência de publicidade do secretário estadual de Defesa do Consumidor. Esta associação guarda-chuva é formada ainda pelas redes Cariocão Supermercados; Polisuper Supermercados; Celma Supermercados; Rainha da Figueira; Feira Nova Supermercados (a empresa da família Ribeiro Alves); Rei do Rio Supermercados; Flor da Posse Supermercados; Rei Supermercados; Impacto Supermercados; Zona Norte Supermercados; e Compre Mais.
A agência do secretário estadual da Defesa do Consumidor passou a administrar a verba de publicidade destas 12 redes de supermercados, muitas delas alvo de operações dos Procons municipais e estadual, com histórico de lojas interditadas, autuação por propaganda enganosa, venda de produtos estragados, entre outras irregularidades. Uma pesquisa no Google com o termo "Rede Economia /Procon" aponta um histórico que revela o receio destas 12 redes e quase 100 lojas com os órgãos de fiscalização.
Para os participantes da concorrência publicitária, foi revelada que a decisão, que privilegiou a empresa do Xerife do Consumidor do Governo Estadual, não foi definitiva, não sendo assinado nenhum contrato e mantendo em aberto a data de vencimento.
Segundo um dos publicitários que participou da concorrência da Rede Economia, ter o titular do órgão maior estadual da defesa do consumidor como concorrente é um obstáculo que nunca imaginaram. "Se eu soubesse que meu adversário seria o fiscal destas redes de supermercado nós não teríamos participado", afirmou.
Quem tem hoje a obrigação de defender a D. Maria, uma das milhares chefes de família que contam as moedas para colocar comida na mesa, e exigir uma relação de consumo transparente, tem na sua empresa a gestão da milionária verba anual de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais); com uma comissão que oscila entre 8 a 10% (R$ 2.600.000,00); uma remuneração mensal de R$ 150.000,00 ou R$ 1.800.000,00 (um milhão e oitocentos mil reais) ao ano; além da bonificação por volume de veiculação, o famoso BV, que garante um comissionamento adicional pela concentração da verba publicitária em veículos específicos. Um negócio que despertou o interesse dos maiores nomes do mercado publicitário.
O OUTRO LADO - O presidente da Associação Rede Economia, Adelino Ribeiro Alves, afirmou à coluna que a relação de Gutemberg Fonseca, a quem ele chama de Guto, com o setor supermercadista começou através do pai, que era representante comercial. "Ele já esteve aqui, saiu e voltou a ter a nossa conta", afirmou Alves. "Nós queríamos experimentar uma visão diferente e o conselho resolveu fazer a concorrência, da qual não pude participar. Aqui, cada dirigente atua na área que é mais vocacionada. Acredito que houve uma decisão de mantê-lo depois que ele propôs uma redução da remuneração". Sobre a atual composição da Rede Economia, o presidente explica: "temos 12 redes, que, na realidade, são 18, já que em algumas houve o desdobramento familiar".
Para um especialista do setor, esta associação de pequenas e médias redes é um sucesso do setor no Rio. No ranking de supermercados, a primeira posição é do Guanabara, seguido pelo SuperMarket (um consórcio similar); Rede Mundial; e em quarto, a Rede Economia. "Este conceito associativo se apoia em um tripé: poder da compra coletiva com volume, marketing e independência administrativa", afirmou o especialista. "A escolha de uma agência de publicidade é relevante neste conceito da importância estratégica da marca".
*Diretor de Redação do Correio da Manhã
