A receosa intranquilidade de muitas das pessoas mais informadas e experientes, no decorrer da semana, teve motivos que o coronavírus, paradoxalmente, abrandou. Mas só por um tempo incerto. O conjunto de indícios comuns a investidas antidemocráticas fez concluir por um alto risco: a propensão do ato contra o Congresso e o Supremo, marcado para hoje, de tornar-se movimento de agitação de massa – sem controle do seu desenvolvimento, como é próprio das ações de turbas incitadas.
O coronavírus esvaziou o ato, sem deixar dúvida de que os interessados, os organizadores e os empresários pagadores persistem no seu propósito. Por vias institucionais, o caminho lhes é hostil, com Câmara e Senado mostrando-se mais altivos do que as últimas legislaturas.
O bolsonarismo crente ou ganancioso é parte da massa pastosa que se amolda a qualquer sedução esperta ou endinheirada. É a alternativa, portanto. Bolsonaro esperou sair de Brasília para, em Boa Vista (RR), no sábado (7), deixar de fingir-se alheio à manifestação contra as duas principais instituições democráticas e chamar o povaréu a engordá-la.
A convocação original era explícita contra o Congresso e o Supremo, e ainda engrossava suas intenções com menção ao general Heleno, remanescente do mais antidemocrático na ditadura. Já em Miami, na segunda (9), Bolsonaro desfecha o seu avanço contra o Congresso, em torno da distribuição de verbas orçamentárias. Paulo Guedes e o general Luiz Eduardo Ramos haviam chegado a um acordo com as lideranças parlamentares, mas Bolsonaro tanto o aceitou como logo o desmoralizou.
Com o apoio do vernáculo de sarjeta do irado general Heleno contra o Congresso. Reduzir o acordo a uma crise de fundo institucional foi ato conjugado, assim como a data. A investida dos dois foi informativa nesse sentido. Bolsonaro seguiu adiante. Ou para trás. Além de outras estocadas no Congresso, ainda nos EUA, voltou, de repente, à acusação de fraude nas eleições presidenciais de 2018. Ele, como vítima. E, hoje, “com provas”, que não exibiu nem explicitou.
Ataque direto à Justiça Eleitoral, mas não só: ataque ao Judiciário, logo, às instituições vigentes.
No Brasil, mais atividade bolsonarista em torno da manifestação convocada, exibindo-se já alguns cartazes definidores: “Intervenção militar já”, “Intervenção sem Congresso e Supremo”, e outras não menos eloquentes.
O confronto governo/ Congresso cresceu, a especulação financeira aproveitou e acionou o lucrativo desce-sobe da Bolsa. Bolsonaro usou o tema para mais um ataque à imprensa por notícias de crise: “Durante o ano que se passou, obviamente temos momentos de crise”.
Esse que chegou a capitão do Exército não consegue expressar nem a ideia mais simplória. Como sempre, falatório longo, esticando, em todos os sentidos da palavra, desinteligências.
E mais um tema.
Necessário, porque o coronavírus levava à suspensão de muitas atividades mundo afora, e era preciso evitar não a expansão do vírus no Brasil, mas a proibição de aglomerações como a manifestação antidemocrática. “Coronavírus não é tudo isso, muito do que tem ali é fantasia, a questão do coronavírus, que não é tudo isso que a grande mídia propaga. O que eu ouvi até o momento outras gripes mataram mais do que esta”.
Era o melhor estilo Bolsonaro, a serviço da grande causa: manter a manifestação. Não deu. Ainda houve tempo para que Deltan Dalagnol aderisse com um ataque ao Congresso e ao Supremo, que “dificultam a a tarefa da Lava Jato”. É, só fechando.
Um dia o coronavírus acaba. Como disse Bolsonaro em rede social, “daqui a um mês, dois meses, se faz. Foi dado um tremendo recado”.
De fato. Quem não o quiser ouvir, perde por antecipação as condições de defesa caso se depare com quebra-quebras, empastelamentos, violências pessoais, a ferocidade das PMs bolsonaristas, das milícias formais e das informais que se coordenavam em São Paulo e Rio. Ou mais do que isso. Porque, como diz Bolsonaro, “daqui a um, dois meses, se faz”.
O coronavírus traiu seu destino perverso, mas também ele morre.
Os encobertos
Aparece, então, a presença de um contingente do FBI com os patriotas da Lava Jato curitibana. Tardou menos do que o habitual. Faltam agora os aparecimentos da CIA e dos grampos clandestinos da NSA, a agência das já conhecidas gravações de presidentes brasileiros, ministros e outros. A soberania brasileira é furada como o corpo de uma vítima dos heróis milicianos da família Bolsonaro.