Flávio, em nome da própria família

Sua tardia conversão ao liberalismo pauloguediano não passou de um biombo utilizado para vencer resistências do empresariado e tentar disfarçar sua ignorância de temas ligados à economia.

Por Fernando Molica

Flávio, Jair, Eduardo e Carlos Bolsonaro

Para quem ainda tinha alguma dúvida, Jair Bolsonaro reiterou, ao indicar o filho Flávio para candidato à Presidência, que defende muito a família — a dele. Ao longo de sua trajetória política, o ex-presidente só foi fiel aos próprios princípios e interesses.

Mesmo sua tardia conversão ao liberalismo pauloguediano não passou de um biombo utilizado para vencer resistências do empresariado e tentar disfarçar sua ignorância de temas ligados à economia. Ao passar a chamar o economista de seu Posto Ipiranga, Bolsonaro se livrou de ser obrigado a discorrer sobre temas áridos, que exigem um mínimo de conhecimento básico.

Abro aqui parênteses para uma história pessoal e profissional. Há uns 15 anos, quando era colunista de outro jornal carioca, achei que o ruidoso deputado Bolsonaro poderia fazer uma ponte com o capitão — promovido a coronel, aposentado como general — Wilson Machado, aquele que tentou explodir o Riocentro. 

Pedi ajuda ao Waldyr Ferraz, o Jacaré, então assessor de Bolsonaro. Para minha supresa, ele levou o deputado à redação. Bolsonaro disse que não teria como me ajudar, mas aproveitou o encontro para falar, e manifestou sua irritação com a proibição, então recente, de parlamentares contratarem parentes para cargos de confiança.

Ele me disse qual a solução adotada: fazer com que todos os filhos virassem candidatos a cargos públicos. Foi assim que o hoje senador Flávio, deixou de ser assessor parlamentar do pai, cargo que ocupou em Brasília entre 2000 e 2002, quando fazia faculdade no Rio. Neste ano, foi eleito deputado estadual (em 2000, Carlos, o 02, conquistara sua cadeira de vereador).

Um quarto de século depois, o peso político da família é outro. O patriarca e fundador do que pretende transformar em dinastia foi presidente da República, seus quatro filhos adultos ocupam cargos eletivos. Mas a lógica permanece a mesma; independentemente de fartura ou escassez de farinha, os primeiros pirões serão para a família.

Em seu livro "O negócio do Jair", a jornalista Juliana Dal Piva mostrou que cargos legislativos foram, durante anos, utilizados como fontes de emprego, não necessariamente de trabalho, para parentes e contraparentes dos Bolsonaro.

Mesmo preso e inelegível, o ex-presidente teria peso para liderar uma articulação em torno de princípios políticos, sintonizados com um projeto da direita para o pa'si. Faria isso se tivesse esse tipo de preocupação. Trata-se de um caso raro, de político que estreitou seus interesses: eleito, nos primeiros tempos, com uma plataforma corporativa, de defesa de interesses de militares, Bolsonaro migrou para algo ainda menor, advoga apenas por si e pela própria família. Seu medo de traições reforça a ideia de que apenas parentes são confiáveis.

Sua própria insistência numa improvável anistia também demonstra seu descaso com o destino dos que, em 8 de Janeiro, invadiram e quebraram palácios: a aprovação de projeto de redução de penas colocaria praticamente todos na rua; mas como ele continuaria em cana, nem quer saber da proposta.

Pouco importa a Bolsonaro que o lançamento de Flávio divida ainda mais a direita, imploda a construção de um projeto alternativo ao que vem sendo construído pelo PT há mais de 40 anos. Seu projeto começa e termina em casa.