A canetada de Gilmar Mendes

O ministro usou, ao arrepio do que se espera de uma corte constitucional, motivos passageiros para mudar princípios legais. Pior, invadiu competência do Poder Legislativo.

Por Fernando Molica

Gilmar Mendes mudou processo de impeachment de ministros do STF

Seria importante rever a lei que trata do impeachment de autoridades, torná-la mais clara e estabelecer mecanismos que diminuam a possibilidade de seu uso como uma forma de retaliação. Mas isso tem que ser discutido pela sociedade e decidido pelo Congresso Nacional, não definido em canetada de Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.

Gilmar justificou sua decisão com base em questões conjunturais, o alto número de pedidos de impeachment de ministros do STF e a transformação do tema em bandeira eleitoral da oposição. Usou, ao arrepio do que se espera de um tribunal — ainda mais de uma corte constitucional — motivos passageiros para mudar princípios legais. Pior, invadiu competência do Poder Legislativo.

Até pelo processo de escolha de seus integrantes, o STF flerta com o mundo político. Uma paquera que, durante e depois da Lava Jato, teve consequências mais graves e profundas que simples troca de olhares. Basta conferir as idas e vindas de decisões relacionadas a Sérgio Moro e a Lula.

O próprio Gilmar teve um papel fundamental no impeachment de Dilma Rousseff ao determinar a saída de Lula do cargo de ministro da Casa Civil. Uma decisão baseada em uma ameaça de possibilidade, a suspeita de que a nomeação tivesse o objetivo de fazer com que processos contra ele saíssem de Moro e fossem para o STF.

Lula sequer havia sido denunciado, era um cidadão em pleno gozo de seus direitos políticos e foi defenestrado com base em uma desconfiança respaldada por uma gravação ilegal. A saída do petista do ministério privou Dilma da possibilidade de ter ao seu lado um negociador capaz de ao menos dificultar o processo de impeachment. 

Não deveria ser tão simples cassar o mandato de um governante eleito. Escaldado pelo Golpe de 1964, Leonel Brizola, então governador do Rio, pagou um preço político muito alto por ver com ressalvas o impeachment de Fernando Collor de Mello. 

O caso da petista foi ainda mais escandaloso; mais do que uma deposição, houve uma eleição indireta de um presidente, Michel Temer, que, como deixava claro em sua campanha contra a companheira de chapa, implantaria um programa de governo oposto ao escolhido nas urnas. 

Articulada de maneira aberta por bolsonaristas, a vingança contra o STF, em particular, contra Alexandre de Moraes, também é absurda. Não se pode obrigar o Judiciário a seguir os preceitos da política, um magistrado tem o direito e dever de respeitar os fatos, os ritos e a própria consciência.

É inegável que, até pela omissão de Augusto Aras, então procurador-geral da República, Moraes, em alguns momentos, ultrapassou limites, suas decisões, porém, foram respaldadas pela maioria dos colegas.

Mas, ao ignorar a lei e impedir que senadores julguem o impedimento de integrantes do STF, Gilmar apenas reforça as críticas ao excesso de poder do tribunal. Isto, na mesma semana que Dias Toffoli deu a cambalhota processual de puxar para si o caso do Banco Master e determinar sigilo absoluto dos autos.

Até para preservarem os próprios poderes, os ministros do STF deveriam ser mais cautelosos, até porque, no limite, cabe ao Congresso mudar a Constituição, tem poder para criar artigos capazes de complicar a vida do Judiciário.