Senador que acaba com o crime
Graças à astúcia de Viana, ficaria mole zerar crimes como homicídio, estupro, roubo, extorsão, sequestro, o que for - basta fazer com que matar, estuprar, roubar, extorquir e sequestrar deixem de ser crimes.
Na ânsia de libertar Jair Bolsonaro, o senador Carlos Viana (Podemos-MG) inventou uma fórmula simples para acabar com o crime no Brasil: é só decidir que crimes deixem de ser crimes.
Pelo projeto de Viana, os dois principais crimes que geraram as condenações de Bolsonaro, cúmplices e aliados deixariam de ser crimes: todos seríamos livres para, com uso de violência ou ameaça, tentarmos dar golpe de Estado ou derrubar o Estado Democrático de Direito.
Como se dizia em Piedade, Viana descobriu a pólvora sem fazer barulho. Graças à sua astúcia, ficaria mole zerar crimes como homicídio, estupro, roubo, extorsão, sequestro, o que for — basta fazer com que matar, estuprar, roubar, extorquir e sequestrar não sejam mais crimes.
Há até precedentes históricos recentes de fatos que deixaram de ser crimes. Até 2005, praticar adultério era crime previsto pelo Código Penal (dava até seis meses de cadeia). Ter "conjunção carnal com mulher honesta mediante fraude" poderia deixar um sujeito preso por três anos; induzir uma mulher — honesta, voltava a ressalvar a lei — a praticar "ato libidinoso diverso da conjunção carnal" também dava cadeia.
Como a lei retroage a favor de réus ou condenados, o ex-presidente ficaria livre de pagar pelos delitos introduzidos no Código Penal em 2021, em seu próprio mandato, quando assinou o projeto, aprovado pelo Congresso, que substituia a Lei de Segurança Nacional.
Para limpar o caminho para futuros golpistas, Viana também propõe acabar com outros dois artigos que também passaram a vigorar há quatro anos: os que punem a violação de mecanismos de segurança das urnas eletrônicas e a restrição do exercício de direitos políticos a qualquer pessoa.
Pelo critério de Viana, dar golpe de Estado, abolir a democracia, fraudar urnas e impedir o exercício da cidadania teriam o mesmo destino legal de uma pulada de cerca, não dariam em nada. Sérgio Porto (1923-1968), o genial cronista e ficcionista que criou o Febeapá (Festival de besteira que assola o país) deve estar lamentando a chance perdida de inventar algo como um festival de caras de pau.
Talvez fosse mais simples Viana redigir uma proposta que desse a Bolsonaro o direito de cometer qualquer crime e ficar impune. Também haveria precedente histórico para respaldar sua iniciativa. O artigo 99 da Constituição do Império, de 1824, estabelecia: "A Pessoa do Imperador é inviolavel, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma." Ou seja, é só substituir a palavra "Imperador" por "Jair Messias Bolsonaro".
Isso pouparia o senador de ter que inventar projetos para livrar a cara do ex-presidente cada vez que ele fizesse uma besteira; ele não teria que, por exemplo, pagar indenização por tentar destruir a tornozeleira eletrônica.
E, aqui, outro precedente: para poupar o aliado, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), propôs e conseguiu que a Assembleia Legislativa aprovasse lei que anulou multas que somavam R$ 73 milhões e que haviam sido aplicadas a pessoas flagradas sem máscara durante a pandemia. Tornar Bolsonaro inimputável, reconhecer sua irresponsabilidade legal, sairia até mais barato, o tesouro paulista teria como receber o pagamento das demais multas.
De tão estapafúrdio, o projeto de Viana lembra o livreto "Modesta proposta", lançado, em 1729, pelo escritor irlandês Jonathan Swift. Para acabar com os problemas e despesas gerados pelas crianças pobres, ele sugeriu que esta passassem a ser vendidas por seus pais.
Os pimpolhos seriam então ensopados, assados, grelhados ou cozidos e servidos como alimentos. Vale frisar que Swift fez uma ironia, uma crítica às desigualdades sociais. Já o senador fala sério. Fala sério, senador.
