Bikes elétricas: Centrão sobre rodas

As bicicletas elétricas circulam sem restrições pelas calçadas, parques e pela contramão das ruas do mesmo jeito que seus correspondentes no mundo político entram e saem de palácios de governo (de qualquer governo), de estatais, de agências reguladoras.

Por Fernando Molica

Bicicletas elétricas têm liberdade para circular.

Os pilotos de bicicletas elétricas são uma espécie de tradução sobre rodas do Centrão: não têm o menor compromisso com as regras, circulam pela direita, pelo centro e pela esquerda com a mesma naturalidade, não se impõem limites, desfrutam de impunidade, adoram andar pela contramão e não dão a menor bola para a opinião dos outros.

Por alguma razão desconhecida, os sujeitos que elaboram e regulamentam as leis de trânsito acharam por bem dar uma espécie de passe livre para quem compra uma dessas bikes, que podem rodar sem placas.

É como se a baixa potência de seus motores fosse uma espécie de atestado de incapacidade de produção de danos.

Na prática, as aquelas máquinas não são máquinas, mas não objetos circulantes não-identificados e inclassificáveis: têm rodas, motor, podem chegar a 45 km/h — e isso não é pouco —, mas não são motocicletas.

Para as autoridades de trânsito, rotular esses meios de transporte seria assim o mesmo que tentar estabelecer parâmetros ideológicos para o pessoal do Centrão, restringir sua capacidade de ir, vir, de fazer o que bem entende.

Os privilégios concedidos a bicicletas elétricas são incompatíveis com o bom senso. Se o fato de os pouco potentes motores dessas tira tira delas a característica de veículo motorizado, meu carro 1.0 também não deveria ser considerado carro perto de uma dessas SUVs grandalhonas: eu deveria ter direito a rodar pelo acostamento, ultrapassar sinais vermelhos, estacionar em qualquer local.

Silenciosas como parlamentares que, no escurinho, articulam benesses para o Banco Master ou para a Refit, não são detectáveis por um dos nossos sentidos, a audição. Pequenas, podem ser enfiadas — e o são — em qualquer espaço entre carros e pedestres. Infiltram-se no trânsito como representantes do Centrão na máquina pública.

Circulam sem restrições pelas calçadas, parques e pela contramão das ruas do mesmo jeito que seus correspondentes no mundo político entram e saem de palácios de governo (de qualquer governo), de estatais, de agências reguladoras.

Para os donos de bikes elétricas, as ruas são uma espécie de Codevasf, aquela receptora universal de emendas parlamentares e distribuidora de tantos carinhos.

Azar o nosso, que vivemos sem direito à carta branca que dá plenos poderes às bikes elétricas e aos caras do Centrão. Que tratemos de redobrar nossos cuidados ao andar pelas ruas, nunca se sabe quando seremos vítimas de uma bicicleta perdida, de um CDB sem fundos do Master ou de um aumento de impostos para compensar a grana que deixou de ser paga pela Refit.