A dura batalha pelo verde

A prosperidade contribuiu de maneira decisiva para uma mudança de imagem da atividade agrícola; o antigo caipira deu lugar a homens e mulheres indentificados com o sucesso, com um Brasil moderno, que dava certo e que precisava de mais terras para se expadir.

Por Fernando Molica

Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva tem apontado para os riscos da devastação

Ambientalistas têm razão de reclamarem das mudanças na legislação, da provável derrubada de vetos do presidente Lula à passagem da boiada do PL da Devastação — mas é importante ressaltar que leis tendem a refletir realidades políticas e, nos últimos anos, a guinada conservadora feriu um pensamento preservacionista que indicava ser majoritário no país. 

O discurso ecológico ganhou força nos anos finais da ditadura, quando passou a ser identificado como um dos elemendos de crítica aos militares.

Foram publicadas diversas reportagens sobre crimes ambientais cometidos na Amazônia, no Pantanal, no Cerrado e na Mata Atlântica.

Acumularam-se denúncias sobre casos de devastação, de tolerância com garimpos ilegais, de invasões de territórios indígenas. A luta pela reforma agrária tornou-se bandeira de diferentes setores, a mobilização de agricultores sem-terras ganhou destaque, o movimento chegou a inspirar personagem de protagonista de novela das nove. A percepção social se refletiu na Constituição e em leis de proteção ambiental.

Em 1989, o médico e fazendeiro Ronaldo Caiado lançou-se candidato à Presidência da República como representante da União Democrática Ruralista (UDR). Seu discurso em defesa dos produtores rurais e contra ocupações de terra promovidas pelo MST fez barulho, p resultado foi pífio: ele recebeu menos de 1% dos votos e ficou em décimo lugar.

De lá pra cá, houve um crescimento explosivo da participação do agronegócio na economia, fenômeno com reflexos também na produção artística e no comportamento. Associados a generosos subsídios e incentivos fiscais, os ganhos de produtividade do campo passaram a gerar muita riqueza.

A prosperidade contribuiu de maneira decisiva para uma mudança de imagem da atividade — o antigo caipira deu lugar a homens e mulheres indentificados com o sucesso, com um Brasil moderno, que dá certo e que precisa de mais terras para crescer. Indígenas, sem-terras e ecologistas passaram a ser vistos por boa parte da população como aqueles que tentavam impedir o progresso.

Não deve ser muito difícil para um jovem trocar a perspectiva de viver num num acampamento do MST na beira de uma estrada pelo sonho, ainda que inalcalçável, de possuir terras infinitas, carrões na garagem e avião no hangar.

A renda do agronegócio passou a movimentar a economia de diversos estados, aumentou o consumo, gerou empregos, alimentou sonhos de prosperidade e de crescimento individual. Os novos milionários rurais trataram também de financiar e cultivar políticos identificados com seus interesses.

Pouco importa que queimadas e desmatamentos representem, num médio prazo, a morte da capacidade da terra de produzir: a voracidade de uma elite herdeira das plantations coloniais não permite que seus integrantes pensem em histórias como as que falam no risco de se matar a galinha dos ovos de ouro.

Quaisquer tentativas de criação de limites à expansão das plantações e da criação de gado são apresentadas como manifestações arcaicas, comprometidas com a preservação da pobreza, com o incentivo ao comunismo. 

Queiram ou não os ambientalistas, o agro virou pop, passou a ser identificado com a modernidade. Num país tão desigual e com tanta pressa, não é fácil lutar contra um discurso que fala em paraísos logo ali, escondidos por florestas que impediriam o progresso.

A COP 30 tende a ser uma boa oportunidade para ressaltar a importância da preservação e da sustentabilidade, mas não é fácil falar em moderação quando o outro lado acena com uma prosperidade infinita, ainda que frágil e enganosa. A terra é generosa, mas seus limites precisam ser respeitados.