Bois do agro e tigrinhos dos jogos são imexíveis

A ameaça de tributação teve, nos empresários do agro, o mesmo efeito de um sedém, acessório que, apertado na virilha de touros e cavalos, faz com que os animais pulem nas arenas de rodeio.

Por Fernando Molica

Câmara retirou de pauta MP que tratava de impostos

Mais do que disputas entre governo e oposição, a finada medida provisória que tratava de alíquotas de impostos revela que o agronegócio e as bets estão blindadas pela maioria dos deputados, todos eleitos pela população. Como disse um ex-ministro do Trabalho, são imexíveis.

Claro que é importante discutir a carga tributária brasileira e a tentativa de governos — não apenas do atual — de recorrer ao bolso do cidadão cada vez que suas contas ficam no vermelho. Mas é desonesto criticar o peso dos impostos sem levar em conta o que setores historicamente privilegiados deixam de contribuir para o caixa público.

Dados das próprias empresas fornecidos via Dirbi (Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária) revelam que, só no ano passado, o agronegócio foi beneficiado com a isenção de R$ 158 bilhões em impostos, quase oito vezes mais do valor que o governo esperava arrecadar com a versão inicial da MP abatida na Câmara dos Deputados.

A proposta enviada ao Congresso previa uma taxação de 5% sobre os rendimentos das LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio) e LCIs (Letras de Crédito Imobiliário), papéis oferecidos no mercado financeiro, por bancos e corretoras. O dinheiro aplicado nesses investimentos ajuda a financiar a agricultura e o mercado imobiliário.

Sobre o lucro dessas aplicações não incide imposto de renda, diferentemente do que ocorre no caso de fundos de renda fixa e CDBs. A taxação tornaria os papéis do agro e do setor imobiliário menos atraentes, mais sujeitos à concorrência. Para continuar a captar clientes, a remuneração desses títulos teria, talvez, que ser um pouco mais alta. 

A ameaça de tributação teve, nos empresários do agro, o mesmo efeito de um sedém, acessório que, apertado na virilha de touros e cavalos, faz com que os animais pulem nas arenas de rodeio. Aos saltos, os fazendeiros acionaram seus peões, seus cerca de 300 deputados — e taxação foi retirada do relatório final da MP.

Assim, todos nós, contribuintes brasileiros — investidores em LCAs ou LCIs ou não — continuaremos a pagar o imposto que poderia comprometer um pouco a rentabilidade desses papéis. Mais uma vez, o agro brasileiro mostrou ser também muito eficiente no cultivo de ótimas relações com o poder; planta boas relações e colhe grandes benefícios.

O caso dos cassinos virtuais é ainda mais escandaloso — para ficarmos no exemplo do campo, são como ervas daninhas. Geram apenas vício e desgraças pessoais e familiares. Mesmo assim, conquistaram o direito de atuarem de maneira livre no país.

A ótima parceria entre as bets e a Câmara havia ficado evidente quando, em 2023, deputados trataram de esvaziar o projeto de regulamentação da atividade que havia sido aprovado pelo Senado. A proposta incluía restrições que praticamente inviabilizariam a publicidade dessas empresas.

Os tigrinhos lobistas desses cassinos virtuais entraram em campo com dentes afiados em riste, e o que era proibição virou recomendação. A lei aprovada manteve o caminho livre para uma atividade danosa e cruel.

Os resultados pífios das CPI das Bets mostrou que a tigrada também deu voltinhas pelo Senado; isto, com a mesma desenvoltura dos bois que colaboram para devastar ainda mais alguns de nossos principais biomas.

Igualmente acuado por esse outro lobby, o relator da MP, Carlos Zarattini (PT-SP), retirou do texto a proposta de aumento de taxação das bets, substituído por uma cobrança retroativa e fixa. Não adiantou, cruéis com os adversários e carinhosos com os amigos, os felinos fizeram picadinho do projeto.

No fim das contas, bois e tigrinhos tiveram reafirmado seu direito de passearem como bem entenderem. Também nos impostos, o que vale é velha lei da selva tributária brasileira, que tem papeis bem definidos entre os que caçam e os que são caçados.