O caso MP e a eleição de 2026

Como qualquer governante, o presidente Lula quer distribuir benesses que se transformem em votos; a oposição faz seu papel ao atrapalhar esse objetivo.

Por Fernando Molica

Lula sabe que o foco agora é a eleição de 2026

Ao acusar a oposição de dificultar sua vida no Congresso para colher frutos eleitorais em 2026, o governo finge que também não atua de olho nas urnas.

A menos de um ano da eleição, tudo que ocorrer daqui pra frente no universo político terá como foco o pleito que elegerá presidente, governadores, senadores e deputados.

Como diria Vicente Matheus (1908-1977), ex-presidente do Corinthians, a faca utilizada pelos congressistas tem dois legumes. Foi o medo de retaliação eleitoral que fez a direita aprovar a isenção do imposto de renda para quem recebe até R$ 5 mil; da mesma forma que a esquerda, em 2022, votou a favor da limitação do ICMS para combustíveis.

O jogo está mais do que jogado, e todo mundo sabe disso. Como qualquer governante, o presidente Lula quer distribuir benesses que se transformem em votos; a oposição faz seu papel ao atrapalhar esse objetivo.

No caso do imposto de renda a situação foi mais simples para o Planalto: apesar da resistência de muitos deputados à possibilidade de taxação dos mais ricos, até os bolsonaristas tiveram que votar a favor da proposta do Ministério da Fazenda (e ainda conseguiram, aos 45 do segundo tempo, livrar o bolso dos ruralistas).

Já a batalha dos outros impostos, que pegou fogo ontem na Câmara foi mais complicada. Não dá pra fazer o discurso Robin Hood de maneira tão simples. Para justificar a facada, era preciso falar em equilíbrio fiscal, na necessidade de gerar recursos para programas sociais do próprio governo, não em benefícios diretos.

Em lugar nenhum do mundo cidadãos costumam ficar com pena de governos e de suas contas; eles, os governantes, que se virem. Há também a percepção — particularmente forte por aqui — de que a máquina pública arrecada e desperdiça muito; fora a desconfiança de que boa parte do que entra no caixa migra de maneira indevida para as contas de protegidos. Em resumo: hay imposto, soy contra.

O sistema político brasileiro favorece essa desconexão. Diferentemente do que ocorre em países parlamentaristas, por aqui, nem mesmo deputados e senadores governistas têm responsabilidade sobre as contas do governo. O CPF que está em jogo não é o deles; logo, é mais complicado convencê-los a votar medidas duras e necessárias.

Foi em meio a essa generosidade com o chapéu alheio que a Câmara aprovou a carinhosa aposentadoria integral de agentes de saúde — quem vai se virar para pagar as contas será o governo, não os parlamentares.

Outro problema para o Planalto é que a medida provisória que trata dos tributos permitiu à oposição recuperar o mote de que este governo só pensa naquilo, em tirar nacos cada vez maiores da carteira da população. Uma versão que fora abalada com a história da isenção do IR, mas que voltou, agora, com força.

Ontem, oposicionistas e dirigentes empresariais trataram de despachar para seus contatos reportagens que falavam em aumento de impostos promovidos por Lula. A lista forçava a barra, incluía no pacote medidas mais do que razoáveis, algumas necessárias, como a limitação da isenção total de tributos conquistada pelo setor de eventos, o aumento da taxação de armas de fogo e das bets, a recriação da possibilidade de o governo desempatar pendências relacionadas à cobrança de impostos de empresas e até a taxa das blusinhas — esta, tão reivindicada pela indústria e pelo comércio do país.

O importante não era analisar as razões de cada tributo, mas centrar fogo num governo — o que é direito dos cidadãos, até dos que sempre escaparam da obrigação de pagar impostos. A batalha da MP, que acabou perdida pelo Planalto, declarou de vez aberta a temporada de caça aos votos; e governo e oposição sabem muito bem praticar essa modalidade de tiro ao alvo.