Presidentes mostram que política é maior que questões pessoais

Diferentemente de Jair Bolsonaro, Trump, por mais desvairado que demonstre ser, não se move regido pelo próprio umbigo

Por Fernando Molica

Presença de Lula na ONU viabilizou conversa com Trump

O desdém de Paulo Figueiredo à conversa entre os presidentes Lula e Donald Trump ressalta a dificuldade do bolsonarismo de encarar a política como ela é — multifacetada, complexa e aparentemente contraditória.

Ao ironizar o fato de o norte-americano ter designado o radical Marco Rubio, seu secretário de Estado, para negociar com o Brasil, Figueiredo reitera uma doença infantil da extrema-direita brasileira, o de achar que questões pessoais se sobrepõem a interesses estratégicos.

Diferentemente de Jair Bolsonaro, Trump, por mais desvairado que demonstre ser, não se move regido pelo próprio umbigo. O cara, não custa lembrar, é o presidente da maior nação do planeta, insuperável em quesitos como economia e poder bélico. E como locatário — e não dono — da Casa Branca, tem que administrar interesses e lobbies diversos e poderosos, não tem o direito de ignorá-los. 

Ainda é muito cedo para saber se as negociações entre Brasil e Estados Unidos vão avançar mesmo, se haverá algumas concessões por parte de Trump e de Lula. Mas estas conversas tendem a passar longe do futuro de Bolsonaro e demais companheiros de empreitada golpista, há questões muito mais relevantes em jogo, como mineração de terras raras e a regulamentação das big techs.

Facebook, Instagram, Google, Apple, Amazon e algumas outras têm um papel para os EUA semelhante ao representado, há algumas décadas, pela indústria automobilística. Trump não se cansa de deixar isso claro em sucessivas falas, muitas delas dirigidas à União Europeia, empenhada em limitar o poder desses exércitos virtuais.

Boa parte do empenho trumpista em defender Bolsonaro tem a ver com uma convergência de fatores — a exemplo de outros representantes da extrema-direita internacional, o ex-presidente é um defensor do poder ilimitado das big techs.

O fato de essas empresas e Bolsonaro terem entrado na mira de um mesmo sujeito, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, reforçou as bênçãos do governo norte-americano, mas é um erro achar que o conjunto de chantagens feitas ao Brasil tenha o principal objetivo de livrar a cara do principal condenado pelas articulações golpistas. Até porque, por mais suscetível que seja aos ventos da política, o Judiciário é um poder independente, Lula tem razões constitucionais para dizer que não pode fazer nada contra os homens de capa preta.

Em post no Xr horas depois de divulgada a conversa entre os dois presidentes, Figueiredo — que, ao lado de Eduardo Bolsonaro, lidera a tropa de choque contra o Brasil nos EUA — tratou de ironizar o fato de o Planalto ter ressaltado que Rubio conduziria a negociação. Afinal, o secretário de Estado é um dos mais radicais integrantes do governo norte-americano; descendente de cubanos, odeia a esquerda, deve ver em cada barbudo a reencarnação de Fidel Castro.

Mas, antes de tudo, Rubio é um político, encarregado de fazer o que seu chefe manda; e seria inocência achar que Trump não tem que dar satisfações aos que sustentam sua trajetória. Antes de tudo, ele é o representante maior de um conjunto de forças políticas, econômicas e institucionais conhecidas pelo nome de Estados Unidos da América. E, pelo visto, muita gente poderosa que integra esse conjunto avaliou que o presidente errou na dose ao retaliar o Brasil.

Minutos depois de Figueiredo expor seus cotovelos doloridos no X, Trump tratou de elogiar a conversa com Lula, disse que trataram de economia e comércio, anunciou encontros pessoais entre eles. afirmou que os dois países vão se dar bem juntos. É bem provável que o presidente norte-americano deteste o brasileiro; e vice-versa. Mas isso, Figueiredo, não importa quando há interesses pesados em jogo — é assim que adultos atuam.