Diferentemente do que disse o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), a eventual não participação do PCC no escândalo da adulteração de bebidas não elimina o fato de que as mortes foram provocadas pelo crime organizado.
Com ou sem envolvimento do PCC, foram bandidos que atuam de forma integrada, mesmo em quadrilhas menores, que envenenaram o conteúdo de garrafas. Destilarias clandestinas, como as citadas por Tarcísio, são resultado de articulação e organização de criminosos.
A fraude envolve uma razoável estrutura, não é simples como a prática de assaltos por um sujeiro que sai armado às ruas. É preciso que haja compra de metanol, existência de um local para armazenar e encher garrafas com o veneno, logística de fornecimento e distribuição de recipientes que sejam ao menos semelhantes aos originais, mecanismos para venda do produto para bares e restaurantes legalizados.
Os clientes dos bares e restaurantes só consumiram veneno porque houve uma cadeia organizada de falsificação, distribuição e comercialização dos produtos falsificados, um mecanismo que deve incluir também fraudes no recolhimento de impostos e na emissão de notas fiscais. Trata-se, portanto, de algo que caracteriza crime organizado, com ou sem PCC no meio.
As vítimas do metanol não adquiriram seus drinques em bocas de fumo, em locais clandestinos. Diferentemente do que ocorre com consumidores de drogas ilegais, eles não sairiam de casa em busca de produtos irregulares - foram envenenados em locais autorizados a vender bebidas alcoólicas, que têm CNPJ e alvará.
É preciso investigar se estabelecimentos que serviram as bebidas são vítimas ou cúmplices dos fornecedores das garrafas adulteradas. Não que soubessem de que ofereciam veneno aos clientes, mas não dá pra descartar a possibilidade de compra consciente de produtos falsificados, vendidos abaixo do preço de mercado e entregues por fornecedores não credenciados pelos fabricantes.
O número de casos graves ocorridos em diversas cidades indica também a possibilidade de uma tolerância com esse tipo de crime, inclusive por parte da polícia. Algo semelhante com o que ocorre com a fabricação clandestina de cigarros que, supostamente, são importados do Paraguai. De novo: por menores que sejam, locais de adulteração de bebidas exigem um mínimo de estrutura física e de logística, não são invisíveis.
Tarcísio de Freitas aproveitou para reclamar de uma suposta tendência de se incluir o PCC em qualquer problema policial ocorrido em São Paulo. Pareceu esquecer que ele mesmo tratou de levar a facção criminosa para o processo eleitoral em 2024.
No dia da disputa do segundo turno, em entrevista coletiva ao lado de seu candidato à prefeitura paulistana, Ricardo Nunes (MDB), o governador tomou a iniciativa de dizer que bilhetes apreendidos pela polícia estadual indicavam que o PCC orientara o voto "no outro", no caso, Guilherme Boulos (Psol).
Ontem, ao tratar da possibilidade de a organização criminosa estar envolvida em casos de adulteração de bebidas alcoólicas, Tarcísio afirmou: "Tem esse negócio em São Paulo, tudo que acontece é o PCC". Nem tudo: até prova em contrário, não foi provada a tentativa de interferência da facção para favorecer Boulos.
Mas mesmo sem a participação do PCC, o caso das bebidas envenenadas é mais um que serve de alerta para a tolerância de parte da sociedade com atividades criminosas, com fraudes e esquemas de lavagem de dinheiro.