Paz, justiça e liberdade — o risco das palavras

A paz foi recuperada no momento em que o governo conseguiu controlar a intentona de 8 de Janeiro e foi sacramentada com a prisão, julgamento e condenações dos culpados pela tentativa de abolição do Estado de Direito e de Golpe de Estado.

Por Fernando Molica

Bolsonaro e os lemas das organizações criminosas

Ao insistir na tecla de que o país precisa de paz, justiça e liberdade, a extrema-direita repete os princípios do Comando Vermelho e do PCC, que têm essas três palavras como lema. A coincidência faz sentido: para quem vê o mundo de cabeça pra baixo, a ordem vigente é que está errada.

Ao insistirem numa anistia para "pacificar" o país, bolsonaristas escondem que eles botaram fogo no parquinho institucional. Não foi a esquerda nem a direita tradicional que organizou golpe, pediu intervenção militar, acampou diante de quartéis, interrompeu estradas, tentou explodir caminhão-tanque em aeroporto, atacou a sede da Polícia Federal, vandalizou sedes de poderes. 

A paz foi recuperada quando o governo controlou a intentona de 8 de Janeiro e acabou sacramentada com a prisão, julgamento e condenações dos culpados pela tentativa de Golpe de Estado.

Ao afirmar que o Supremo Tribunal Federal promove a injustiça, a extrema-direita procura inverter os fatos. Qualquer cidadão tem o direito de criticar decisões judiciais; no caso específico da tentativa de golpe, é legítimo questionar decisões e penas aplicadas.

Mas é complicado alegar que não houve uma articulação golpista admitida pelos próprios réus. Fatos que, apurados pela Polícia Federal, foram entregues ao Ministério Público, que apresentou denúncias à Justiça, que julgou os réus.

O questionamento à liberdade existente no país chega a ser irônico quando parte de pessoas que negam até mesmo a existência de uma ditadura entre 1964 e 1985. Regime que derrubou o presidente constitucional, colocou partidos na ilegalidade, fez intervenção no STF, cassou mandatos, censurou, torturou, matou, desapareceu com corpos de adversários e impediu eleições. 

Não há censura hoje no país, mas uma tentativa, a mesma existente em várias democracias, de se aplicar ao mundo das redes sociais princípios consagrados na legislação que pune a calúnia, a injúria e a difamação. Todos somos livres, e sujeitos às consequências do que fazemos. Não pode haver o direito de mentir, de propagar o ódio. A reação da direita aos que exaltam ou ironizam o assassinato do ativista Charlie Kirk mostra que sociedades democráticas têm o direito de estabelecer limites e punições ao que se diz e se escreve.

Palavras são flexíveis, muitas vezes são utilizadas para exprimirem o oposto do que significam. Escolhido relator da proposta de anistia, o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), disse buscar um projeto para pacificar o país e sair dessa polêmica de extrema-direita e extrema-esquerda.

Mas, caramba: quem partiu para a guerra institucional não foi o país como um todo, mas um grupo politico que não aceita decisões da justiça, o mesmo que iniciou o conflito quando ainda exercia o poder e hoje busca uma autoanistia. 

O deputado também erra ao afirmar que a polêmica inclui a extrema-esquerda: incapazes de elegerem um deputado sequer, o PSTU e o PCO devem ser contra a anistia, mas não têm qualquer papel relevante na discussão. A disputa é travada por extremistas de direita e forças democráticas, entre estas, setores conservadores que são contra golpes. Ao afirmar que o país não está pacificado, o bolsonarismo ameça jogar o país de novo na guerra e respalda o argumento de outras organizações que acham errado o que está certo — e tomara que ninguém peça anistia para o PCC e pro CV.

Paz