Qualquer um de nós pode ser a próxima vítima da PEC
Qualquer cidadão, petista, bolsonarista ou nem-nem, pode ser vítima de um crime cometido por parlamentar. Bandidos não costumam perguntar a suas vítimas se elas são de direita ou de esquerda antes de assaltá-las, estuprá-las ou assassiná-las.
Aprovada na marra pela Câmara, a PEC da Impunidade, se for ratificada pelo Senado, permitirá que 594 brasileiros — os senadores e deputados federais — possam ficar impunes caso nos matem, estuprem, assaltem, sequestrem, cometam qualquer tipo de crime.
Para que sejam processados será necessário haver autorização da respectiva Casa parlamentar do suspeito, Senado ou Câmara.
Ontem, na Câmara, com a aquiescência do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), bancadas do PL, PP, União Brasil, Republicanos, MDB, PSDB, Avante e Podemos chegaram ao ponto de apresentar emenda para reverter algo que havia sido decidido na noite de terça.
Com a manobra — na prática, um inusitado terceiro turno de votação — restabeleceram o voto secreto para autorizar a manutenção de prisão de colegas presos em flagrante ao cometerem crimes inafiançáveis. A lista inclui homicídio, estupro, roubo seguido de morte, sequestro, tráfico de drogas e racismo.
Vale ressaltar para que não haja dúvidas: caso o Senado reitere o que foi aprovado pela Câmara, um deputado federal ou senador que seja flagrado cometendo crimes como esses poderá ser libertado por seus pares, e estes tomarão esta decisão sem que sejam identificados, sem deixar digitais.
A PEC cria uma clara divisão entre brasileiros, estabelece uma casta que fica, na prática, acima da lei. Contraria uma norma fundamental da Constituição, a de que todos somos iguais.
Afinal, pela proposta de emenda, a eventual punição de parlamentares dependerá de permissão de seus pares, alguns deles suspeitos de praticarem os mesmos crimes dos colegas, ilícitos relacionados, principalmente, ao eventual desvio de recursos públicos.
Alguém aí acha que um parlamentar enrolado com aplicação irregular de recursos oriudos de emendas ao orçamento vai permitir que um colega responda pelo mesmo crime? Vai fornecer para o Ministério Público e a Justiça a mesma corda que, no futuro, poderá ser colocada em torno de seu próprio pescoço?
Apesar de ter recebido votos favoráveis de alguns parlamentares de esquerda e com a omissão declarada do governo, a PEC foi bancada, principalmente, pelo PL e pelos partidos do Centrão, que se disseram vítimas de uma perseguição judicial.
Tentaram assim pegar carona na polarização que divide o país para ideologizar algo que não diz respeito a preferências pela esquerda ou pela direita.
Qualquer cidadão, petista, bolsonarista ou nem-nem, pode ser vítima de um crime cometido por parlamentar. Bandidos não costumam perguntar a suas vítimas se elas são de direita ou de esquerda antes de assaltá-las, estuprá-las ou assassiná-las. O desvio de recursos de uma emenda parlamentar destinada a obras é prejudicial a todos os moradores de um município.
Ao dificultar a punição de parlamentares, a PEC estimula a bandidagem e abre caminhos para que organizações criminosas invistam ainda mais na eleição de seus integrantes para a Câmara e o Senado, uma cadeira nessas casas vai valer muito, será uma quase garantia de impunidade.
Ao estabelecer que caberá apenas ao Supremo Tribunal Federal julgar parlamentares, a emenda passa a impedir que esses políticos respondam a processos cíveis como os de improbidade administrativa, que hoje correm em instâncias inferiores. Estabelece nova barreira para a punição de corruptos.
É do interesse da sociedade que parlamentares tenham prerrogativas relacionadas ao exercício dos mandatos que lhes concedemos. Eles, em tese, falam em nome de seus eleitores. Mas esse direito, fundamental numa democracia, nào pode ser confundido com a concessão de passe livre para cometimento de crimes.
