A direita deu bandeira
Ao discursar com a mesma violência que emprega ao bater martelos em leilões de concessões públicas, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), apenas reiterou que não há espaço para moderação na extrema direita.
Não adianta o pastor Silas Malafaia tentar tirar a bandeira da sala — no caso, do meio da Avenida Paulista. A imagem do gigantesco pavilhão norte-americano mostrou que a direita não vacilou em, no Dia da Independência, trocar o lindo pendão da esperança pelo pavilhão de faixas largas e estrelas brilhantes, como citado na letra do hino dos Estados Unidos. O 7 de Setembro deu lugar ao 4 de Julho.
O uso de bandeiras norte-americanas em atos promovidos por autoproclamados patriotas brasileiros não é de hoje, mas o fato ganha particular dimensão pela data, pelo tamanho da alegoria e pelas retaliações impostas por Donald Trump que afetam empresas e empregos entre nós; atos que tentam interferir na nossa soberania.
Aquelas milhares de pessoas reunidas em São Paulo deram uma nova versão para o grito do "Eu autorizo". Antes utilizada para estimular Jair Bolsonaro a dar um golpe de Estado, a expressão agora serve para legitimar o maior ataque sofrido pela economia brasileira nas últimas décadas.
Para aqueles manifestantes, talvez o melhor seria o Brasil se transformar numa mega Porto Rico, uma colônia dos Estados Unidos que recebe a designação de "estado livre associado". Uma proposta radical, porém compatível com a lógica entreguista que há séculos caracteriza uma boa parte da elite brasileira, incapaz de conceber um país independente, onde haja um mínimo de equidade entre seus cidadãos.
Pessoas que olham para o Brasil com os olhos dos antigos colonizadores, um vasto território povoado a ser espoliado, explorado, destruído — um destino semelhante ao que desejam para a maior parte da população.
O grau de colonialismo e de servilismo demonstrado pela exibição da imensa bandeira norte-americana só é talvez comparável, como caricatura, ao beijo que, em 1946, o então deputado Otávio Mangabeira deu na mão do presidente norte-americano Dwight Eisenhower, que visitava o Brasil. O momento foi registrado pelo então jovem fotógrafo Ibrahim Sued.
Mais do que subserviência a uma potência estrangeira, o ato de domingo revela a absoluta falta de limites de uma corrente política importante que, em 2018, elegeu o presidente da República e que, quatro anos depois, inconformada com a derrota, tentou abolir a democracia.
Ao discursar com a mesma violência que emprega ao bater martelos em leilões de concessões públicas, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), apenas reiterou que não há espaço para moderação na extrema direita. O bolsonarismo é, por definição, um movimento radical, que rejeita qualquer forma de normalidade, que precisa do ódio para viver.
Capitão da reserva do Exército assim como Bolsonaro, Tarcísio, ao falar em tirania do ministro Alexandre de Moraes, demonstrou que também relativiza ditaduras. Tirano foi o regime militar que determinou a aposentadoria compulsória de três integrantes do Supremo Tribunal Federal; em protesto, dois outros ministros pediram para sair. Antes, a mesma ditadura aumentara de 11 para 16 o número de integrantes da corte, para tentar torná-la mais dócil.
Mais de um gesto de obediência a Bolsonaro, as marteladas verbais de Tarcísio apenas confirmam seu radicalismo que tantos procuram negar. Uma postura evidenciada pela atuação da polícia paulista; empilhar corpos, inclusive de inocentes, é mais representativo e definidor do que pronunciar palavras, por mais violentas que sejam.
Domingo, Tarcísio apresentou de vez seu jogo, mostrou quem é e o que é capaz de fazer. Provou que, como seu padrinho, despreza o processo democrático, que considera aceitável que derrotados numa eleição tentem derrubar os vitoriosos, e que, depois, permaneçam impunes. Como seus aliados, o governador deu bandeira.
