Por: Fernando Molica

Os santos que adoçam ruas e corações

Entrega de doces no bairro de Todos os Santos, zona Norte do Rio | Foto: FM

Parem as máquinas! É preciso contar, com urgência e destaque, que, sábado passado, ruas suburbanas ficaram mais doces, voltaram a se encher de crianças em busca de saquinhos recheados de carinhos de São Cosme e São Damião.

Mesmo bombardeada pelo preconceito religioso e pelo perigo que cerca nossos caminhos, a tradição nunca deixou de ocorrer nas ruas mais impregnadas pelo jeito de ser carioca.  Mas, em 2025, a festa pareceu maior, generalizada, acolhedora.

Foi impossível não notar os grupos de crianças, sozinhas ou acompanhadas de suas mães, que ocuparam as calçadas, que — Cuidado! — atravessavam as ruas sem olhar muito para a movimentação dos automóveis. Dizem que o sindicato dos anjos da guarda tem que reforçar seus plantões a cada 27 de setembro, a escala normal não dá conta da necessidade.

A mudança no perfil de habitações — prédios cada vez mais ocupam o lugar das casas — deve ter sido responsável por uma adaptação no processo de entrega dos saquinhos. Muitos preferem fazer a distribuição de dentro de seus carros, que se movem lentamente pelas vias.

Em alguns locais, era possível notar uma aglomeração improvisada de crianças em determinados pontos das ruas; grupos que não esperavam ônibus, mas a chegada de algum veículo de onde brotariam alegrias em forma de cocadas, doces de leite, paçocas, marias-moles, balinhas.

A entrega dos doces recupera uma prática dos santos gêmeos e médicos, que, pelo que se conta, costumavam fazer esse tipo de agrado às crianças que socorriam.

O bom exemplo germinou, foi adaptado ao longo dos séculos e, por aqui, embalado por tradições de origem africana, frutificou de vez. Os santos católicos acabaram identificados com os Ibejis, filhos gêmeos de Xangô e Iansã; presentear crianças com os doces é assim também uma oferenda à vida, à infância, uma renovação da energia infantil.

Correr atrás de doce é talvez a maior modalidade esportiva carioca, chama acesa anualmente no olimpo de nossas esquinas. Calor que aquece a fé em um país que fique mais adocicado e carinhoso, que trate melhor seus filhos, crianças que, a cada dia de Cosme e Damião, zanzam por aí, olhinhos brilhando, faróis que iluminam caminhos, que possibilitam a descoberta da tia ou tio que entrega aqueles pacotes decorados com as imagens dos santos.

Mãos esticadas na direção dos presentinhos coloridos, olhos que adoçam o coração e o olhar de quem distribui os doces — adultos que assim se reencontram com a própria infância, com as mãos enrugadas de suas avós que preparavam os saquinhos de doces, com seus próprios pés descalços ou protegidos por chinelos de borracha, com as ruas forradas de paralelepípedos; marmanjos que se veem nos rostos felizes, deslumbrados e encantados daquelas meninas e daqueles meninos.