Ao aprovar volta da chamada gratificação faroeste — uma grana extra para policiais civis que matarem bandidos —, a Assembleia Legislativa do Rio tomou uma atitude que, em alguns casos, tem potencial para assumir um caráter suicida: nos últimos seis anos, pelo menos 15 deputados ou ex-deputados estaduais fluminenses foram presos ou condenados. O último a ser levado pela polícia foi TH Jóias (MDB), acusado de ser do Comando Vermelho.
Em 2019, um levantamento feito pelo portal G1 revelou que dos 70 deputados estaduais do Rio, 16 — 23% do total — respondiam a processos judiciais ou estavam presos, acusados de crimes como corrupção, compra de votos e falsidade ideológica.
Em tese, todos poderiam ser chamados de supostos bandidos, alvos, portanto, de alguma ação policial.
Caso o artigo não seja vetado pelo governador Cláudio Castro (PL), todos nós estaremos em risco; ninguém está livre de ser considerado bandido por policiais.
A situação ficará ainda mais delicada para quem já é suspeito de ter cometido algum crime. Caso venha a ser "neutralizado" (este é o verbo utilizado no projeto), sua vida pregressa reforçará a narrativa de que resistiu à abordagem policial — a ocorrência de confronto é essencial para o pagamento do bônus, que pode chegar a 150% do salário do agente.
Entre 1995 e 1998, quando houve tal gratificação, todos os policiais que pediam a grana extra alegavam que as vítimas tinham iniciado um conflito.
Assim como naquela época, o novo projeto não prevê pagamento apenas no caso de morte de pessoas condenadas; para efeito de gratificação, bandidos são aqueles que a polícia diz que são bandidos. De um modo geral, os assim classificados são pretos e pobres, mas gravata não é escudo capaz de barrar a eventual truculência.
Na discussão da atual proposta, o deputado Carlos Minc (PSB) lembrou que, durante a vigência do bônus, um estudo revelou características de execução em 64% dos corpos — tiros disparados na nuca, nos ouvidos, nas costas ou com o cano da arma grudado no corpo da vítima.
A análise, feita Instituto de Estudos Religiosos (Iser), revelou que a premiação fez aumentar de 16 para 32 a média mensal de mortes em ações da polícia na capital do estado. Em 1998, Minc foi o autor do projeto de lei que terminou com a gratificação.
Na época, um jornal carioca ressaltou que profissionais que salvavam vidas — como bombeiros ou guarda-vidas — não tinham direito a qualquer bonificação, que era privilégio dos que matavam.
A proposta de retorno da gratificação foi aprovada por larga margem: apenas 17 parlamentares votaram por sua retirada do projeto; 45 foram contra.
A discussão repetiu o padrão que costuma ocorrer em situações semelhantes: deputados à esquerda criticaram o bônus, os da direita foram favoráveis e acusaram os primeiros de defenderem bandidos.
Um dos autores do projeto é Rodrigo Amorim (União Brasil), líder do governo na Alerj — em 2018, ele foi um dos que quebraram a placa com o nome da vereadora Marielle Franco (Psol). Seu companheiro na empreitada foi Daniel Silveira; na época, ambos eram candidatos a cargos parlamentares.
Em 2022, Silveira, já deputado federal, seria condenado pelo Supremo Tribunal Federal a oito anos e nove meses de prisão por ameaçar o Estado Democrático de Direito e tentar interferir em processo judicial. A decisão também incluiu a perda de seu mandato.
Silveira cumpre pena, em regime semiaberto, no presídio Colônia Agrícola de Magé (RJ), ao lado de outros classificados como bandidos pela Justiça.