Não dá para prever como será o encontro entre Lula e Donald Trump, nem mesmo para bancar que a conversa vai mesmo acontecer. Mas o abraço que trocaram ontem mostra que ambos são políticos profissionais e reforça o erro de Jair Bolsonaro em achar que seu amor pelo norte-americano é correspondido.
Os dois presidentes defendem o que consideram ser interesses de seus países, e é isso que está em jogo. Ao iniciar suas referências ao Brasil em seu discurso na ONU, Trump mostrou que sua prioridade ao atacar o ministro Alexandre de Moraes não é Bolsonaro, mas medidas que, em sua avaliação, prejudicam as big techs.
Ele acusou o Brasil de "interferir nos direitos e liberdades de cidadãos americanos e de outros países" — uma intromissão, vale frisar, que não foi determinada por Lula, mas pelo Supremo Tribunal Federal. Em outras ocasiões, Trump atacou a União Europeia por sua decisão de estabelecer marcos legais que limitem a atuação de gigantes como a Meta, dona do Facebook e do Instagram.
Essas empresas, por seu poder financeiro e capacidade de influência, têm papel decisivo na expansão da direita pelo mundo.
O presidente norte-americano, assim como outros líderes do mesmo campo político tratam de classificar de censura qualquer tipo de regulação a essas redes. A condenação de Bolsonaro ex-presidente entra assim de Pilatos no credo trumpista, tem até a ver com a história, mas não é de longe o motivo principal da oração.
Na tribuna da ONU, Trump voltou a poupar o atual governo brasileiro, repetiu o que tem feito desde o fim de julho, quando iniciou o pacote de retaliações e chantagens contra o país. Seu alvo é o Poder Judiciário, não o Executivo. Mesmo os alegados prejuízos norte-americanos no comércio bilateral não podem ser jogados no colo do petista.
Depois de elogiar Lula, falar da "química" entre ambos, Trump advertiu que o Brasil vai mal e continuará assim se não trabalhar com os Estados Unidos, mas falou de maneira genérica no país, não no governo. Ainda tratou de deixar a porta aberta para o "nice man" (um homem ou cara legal). Por pouco não fez como Barack Obama, que classificou o brasileiro de "the guy", o cara.
Lula sabe que empatia ajuda a quebrar gelo, mas, diferentemente do que fez Bolsonaro em 2019, não disse "I love you" para Trump. Tem consciência de que política não é lugar para manifestações de amor. Mais: como tem feito desde o início das primeiras medidas contra o Brasil anunciadas pela Casa Branca, tratou de manter a sua fama de mau, de marcar posição.
Em seu discurso, imediatamente anterior ao do norte-americano, o petista enumerou diversas críticas à Casa Branca, reafirmou a soberania brasileira, rechaçou o que classificou de agressão ao Poder Judiciário. Sabia que, ao falar logo depois, Trump poderia responder às críticas, dar a última palavra sobre as divergências, mas optou por demonstrar uma posição de firmeza.
Como dito lá no primeiro parágrafo, não é possível imaginar como será a tal reunião entre os dois. Nada impede que Trump prepare para Lula uma armadilha como a que armou para os presidentes da Ucrânia e da África do Sul, até porque, daqui até lá, chegarão aos seus ouvidos muitas reclamações de bolsonaristas.
Mas o presidente brasileiro sabe o que lhe espera, sua ascensão no sindicalismo e na política se deu graças, principalmente, à sua capacidade de negociar, de administrar interesses opostos. Também não chegará na conversa numa condição subalterna, por mais importante que seja a dependência do Brasil em relação ao mercado norte-americano. Ontem, mostrou que estava certo ao não ceder às pressões de Trump; avançou no jogo internacional e ainda complicou a vida dos bolsonaristas.