Quando impuseram a PEC da Impunidade e a urgência da anistia, o PL e o Centrão cometeram um erro típico dos arrogantes, o de abusarem do próprio poder. Unidos, os dois grupos têm folgada maioria na Câmara, o problema foi achar que dava para, impunemente, uma das mãos sujar a outra.
Confundiram predominância com domínio absoluto e abusaram, deram um drible a mais, despertaram parcela significativa da opinião pública, estimularam grandes manifestações e correm o risco de acumularem derrotas.
Na origem do erro está a ânsia em salvar Jair Bolsonaro e deputados enrolados na Justiça com investigações ligadas a emendas parlamentares. No sufoco, suas excelências se lambuzaram ao buscarem o melado da impunidade.
Números do Datafolha mostram que o apoio a uma anistia aos que atuaram no 8 de Janeiro, que sempre foi minoritário, ficou ainda menor a partir da percepção de que o objetivo era impedir a ida do ex-presidente para a cadeia, não soltar a moça do batom ou as velhinhas convidadas da festa de arromba-democracia da tal da Selma. A articulação contra o Brasil promovida nos Estados Unidos pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) evidenciou ainda mais a intenção da campanha.
A lógica era simples: o PL ajudaria a aprovar a blindagem (que também seria útil para afastar futuros processos contra seus parlamentares) e o Centrão carimbaria a anistia. Um acordão que contou com a cumplicidade do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que precisava pagar a dívida contraída ao negociar o direito de se sentar na própria cadeira.
A pressa com que as propostas foram submetidas à votação mostrou o tamanho da desfaçatez, a redação final do projeto que facilita o cometimento de quaisquer crimes por parlamentares só foi apresentada poucas horas antes de sua votação.
A Presidência da Casa ainda aprovaria manobra que instituiu um inédito terceiro turno de votação para devolver à proposta de emenda constitucional o voto secreto de parlamentares na avaliação de prisões em flagrante de colegas.
No dia seguinte, Motta colocou em votação a urgência de um projeto boi de piranha para anistiar responsáveis pela tentativa de golpe — a proposta do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-PB) servia apenas para permitir que o tema chegasse ao plenário.
O Centrão retribuiu o carinho dispensado pelo PL na véspera, e votou a favor. Na pior das hipóteses, garantiria a possibilidade de, nos dias seguintes, apresentar uma fatura pesada ao Planalto para derrotar o perdão aos golpistas.
Mas faltou combinar com brasileiros, que não se conformaram com a cara de pau de parlamentares de arrumarem um jeito de escaparem da Justiça: seria necessária aprovação da Câmara ou do Senado até para que fossem processados por crimes como homicídio, estupro e tráfico e, claro, desvio de dinheiro público.
A possibilidade de impor uma anistia a condenados pela tentativa de instauração de uma nova ditadura no país também pegou mal, o suficiente para armar as almas de cidadãos que miraram na cara do sossego e não quiseram ficar sentados em casa no domingo passado.
Integrantes do PL e do Centrão parecem ter esquecido ditados populares (aquele que trata das consequências de se dirigir com muita sede ao pote) e de fábulas infantis (como a que fala em matar a galinha dos ovos de ouro).
A emenda que tenta garantir impunidade a parlamentares deve ir pro ralo; a anistia virou dúvida para o jogo. Até mesmo a proposta de uma redução de penas para golpistas subiu no telhado. Vale lembrar que o porque o benefício que aliviria Jair também serviria para, por exemplo, diminuir ou impedir punições para integrantes de outras quadrilhas armadas.