Por: Fernando Molica

Um primeiro comando na capital federal

Presidente da Câmara, Hugo Motta pautou a PEC da Impunidade | Foto: Kayo Magalhães /Câmara dos Deputados

Nem mesmo o PCC e o CV seriam capazes de sonhar com anistia para crimes pretéritos e futuros pretendida por boa parte do Congresso Nacional. Um conjunto de medidas que, se aprovada, sedimentará a ideia de existência de uma espécie de primeiro comando na capital federal. Antecipará a banana que o personagem Marco Aurélio deverá voltar a dar para o país ao final da nova versão de "Vale tudo". 

Não basta apenas atropelar a Justiça, impedir a ida para a cadeia ou diminuir as penas dos que atentaram contra a democracia e que queriam nos lançar numa nova ditadura, em especial, Jair Bolsonaro. Busca-se também estender a todos os parlamentares benefícios quase tão amplos quanto os previstos em artigo da Constituição de 1824 que garantia a impunidade do imperador: "A Pessoa do Imperador é inviolavel, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma". 

Não se trata de exagero. No relatório da Proposta de Emenda Constitucional 3/2021, o deputado Claudio Cajado (PP-BA) manteve que um parlamentar só poderá ser processado criminalmente com a devida licença de sua Casa (Câmara ou Senado) — isso valeria para todos os crimes.

A PEC é resultado direto das investigações policiais, muitas apontam para uma roubalheira de características endêmicas, disseminada pelo vírus mutante das emendas parlamentares.

A proposta mantém a possibilidade, hoje existente, de prisão em flagrante para crimes inafiançáveis, só que a  licença para a manutenção da medida passaria a ser deliberada pelo voto secreto dos integrantes da respectiva Casa (atualmente, a votação é aberta). Nem nós, eleitores, saberíamos quem garantiu liberdade a um parlamentar preso em flagrante por cometer crimes como homicídio, estupro, tráfico de drogas, racismo, terrorismo, sequestro, ação contra o Estado de Direito.

É tão escandaloso que chega a minimizar a  manobra de entregar a liderança da Minoria a um deputado, Eduardo Bolsonaro, que está fora do país e, na ânsia de manter o pai longe da cadeia, admitiu o bombardeio do Brasil por caças norte-americanos.

Diferentemente do que é dito por lideranças no Congresso, a PEC, colocada em pauta pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), não foi criada para defender prerrogativas parlamentares (é justo que detentores de mandatos populares tenham liberdade de expressão para defender as posições que os levaram a casas legislativas). Tem apenas o objetivo de garantir a deputados e senadores o direito de fazerem o que quiserem, praticamente sem risco de serem punidos.

Uma emenda que, se aprovada, transformará de vez a Câmara e o Senado em abrigo dos mais variados bandidos, que buscarão a qualquer custo a conquista de um mandato. Além de influência política e do gozo das tradicionais benesses relacionadas ao exercício do poder, eles terão impunidade quase garantida.

Cada vez mais poderosas —  como demonstrou o assassinato do delegado que investigou o PCC —, as organizações criminosas passarão a investir ainda mais na eleição de suas próprias bancadas. Não é difícil prever que teremos, em Brasília, a repetição do caso do traficante Pablo Escobar, que conseguiu chegar ao congresso colombiano. Casos como o do ex-deputado estadual fluminense TH Joias,  acusado de integrar o CV, serão rotineiros. 

Ao lado da anistia a Bolsonaro e a seus cúmplices, a PEC arrebentará com a ideia de Justiça. O senso comum de que a lei foi feita apenas para punir pretos e pobres será, mais uma vez, evidenciado. Haverá a reafirmação da certeza de que poderosos sempre dão um jeito de se livrarem, que políticos têm o único objetivo de cuidar de seus próprios interesses.