Ao admitir que correligionários planejaram, mas não executaram um golpe de Estado, o presidente-dono do PL, Valdemar Costa Neto, usou a lógica Bill Clinton para relatar sua experiência com a maconha: o então candidato democrata a presidente dos Estados Unidos disse que tinha fumado, mas não tragado.
Ao cometer seu sincericídio culposo, Costa Neto deu uma viajada: disse que, por não ter sido tentado, o golpe não se constituiu em crime. Mas, no caso específico, de acordo com a lei, fumar é tragar.
Aprovada pelo Congresso e assinada por outros três condenados na semana passada, a lei que trata do tema considera crimes as tentativas, com emprego de violência ou grave ameaça, de abolição do Estado de Direito e de Golpe de Estado. Em outras palavras: ajoelhou, rezou.
Isso, por um motivo simples, seria impossível punir os golpistas caso suas tentativas tivessem dado certo. Não haveria polícia capaz de investigar, Ministério Público com força para denunciar e Justiça independente para julgar e punir. Como frisaram quatro dos cinco ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, não faltaram episódios de violência e de grave ameaça planejados, organizados e executados pelos agora condenados.
Na conversa em que expôs sua teoria, Costa Neto recorreu a um outro artigo do Código Penal para ilustrar seu exemplo: afirmou que planejar um assassinato e não executá-lo não representa crime. Como não fosse criminoso o sujeito que aponta a arma para alguém, e desiste de atirar na hora H. O Código Penal cita 35 vezes a palavra "ameaça" — em nenhum dos casos para fazer coro à suposta jurisprudência valdemariana.
Pela lógica do presidente do PL, a polícia sequer poderia agir ao apurar, mesmo que de maneira consistente, que uma determinada quadrilha planeja cometer um assalto ou um homicídio, teria que esperar que o crime fosse cometido.
O golpe bolsonarista, vale ressaltar, não foi planejado pelos seguranças do Palácio da Alvorada em conluio com motoristas do Ministério da Defesa. A arquitetura da destruição da democracia foi fruto de articulações lideradas pelo presidente da República, devidamente assessorado por comandantes militares e ministros de Estado.
Não se pode achar normal o fato de que algumas das mais importantes autoridades da República articularam contra a democracia, que tenham, com suas ações, dado início à execução do plano de abolição do Estado de Direito e de implantação de uma nova ditadura.
Eles fumaram e tragaram golpe, ajoelharam-se diante do altar do arbítrio e oraram diante de imagens de Augusto Pinochet, Castello Branco, Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici, Sérgio Paranhos Fleury, Alberto Fujimori e Carlos Alberto Brilhante Ustra. Isto, abençoados pela mente igualmente embaçada de discípulos de Francisco Luís da Silva Campos, especialista em dourar juridicamente as pílulas de ditaduras.
Condenado e preso no Mensalão, Costa Neto jamais seria processado por falta de esperteza; como se dizia antigamente, nunca deu ponto sem nó. Ao admitir o planejamento do golpe, ele deu uma rasteira em Jair Bolsonaro e em seus aliados que juram que tudo não passava de tentativa de criação de uma versão brasileira do jogo War. Ele ainda disse que a decisão do STF precisaria ser respeitada.
Ontem, ele tentou reinterpretar o que dissera sobre trama golpista, que não foi planejamento de golpe o planejamento de golpe que deveras admitira. Sabia, porém, que o recado fora lançado, que contribuíra para jogar mais uma tocha flamejante no parquinho bolsonarista — como os demais Neros do Centrão, ele gosta de um incêndio, mas na casa dos outros; não mata a própria mãe; nem, muito menos, comete suicídio.