Por: Fernando Molica

Condenação atesta maturidade

Voto de Cármen Lúcia definiu a condenação de Bolsonaro | Foto: Victor Piemonte/STF

A condenação de Jair Bolsonaro e de quatro oficiais-generais é uma das maiores conquistas do Brasil independente, em particular, desde o golpe da proclamação da República, quartelada que violou a Constituição e inaugurou uma sequência de intervenções militares na vida do país.

A decisão do Supremo Tribunal Federal servirá como marco, referência de um momento em que o país atinge a maioridade; que ousa, enfim, livrar-se de uma tutela imposta por gerações de funcionários públicos fardados que, aliados aos oportunistas de plantão, revezavam-se na imposição de seus interesses ao país. Posições corporativas que vinham embaladas no presente de grego de supostos anseios nacionais.

Por ironia histórica, coube a Bolsonaro sancionar o projeto aprovado pelo Congresso que substituiu a Lei de Segurança Nacional pela introdução, no Código Penal, de artigos que criminalizavam as tentativas de golpe de Estado e de abolição do Estado Democrático de Direito.

Interessado em vetar a punição a comunicações enganosas em massa — as fake news, que funcionavam como combustível para seu mandato —, o ex-capitão não deve ter percebido que, ao sancionar o grosso do projeto, vedava a saída do beco que ao longo da vida tratou de construir. É até provável que desdenhasse da futura aplicação dos novos instrumentos legais, não conseguiria imaginar a possibilidade de flores vencendo canhões.

Ao votar pela punição de Bolsonaro e de seus cúmplices — condenados, já podem ser chamados assim —, a maioria dos ministros da Primeira Turma do STF busca acabar com o fantasma golpista que há mais de cem anos assombra o país.

Algumas mudanças demoram a ser incorporadas à sociedade, há pouco mais de uma década, casais formados por pessoas do mesmo sexo eram impedidos de demonstrar afeto nas ruas; mulheres não ousavam se queixar da violência que sofriam de namorados ou maridos; a prática do racismo gerava, no máximo, um boletim de ocorrência, ter o direito de ser julgado pelo STF representava uma espécie de absolvição prévia. 

A ida para a cadeia de homens que atentaram contra a democracia, que atuaram para instaurar uma nova ditadura no país, integra esse processo de mudanças. A própria mobilização de setores simpáticos a Bolsonaro — contrários à condenação e entusiastas de uma anistia — demonstra a importância do gesto do STF: momentos de transição são sempre delicados, geram impasses e reações.

A história não segue em linha reta, mas aos trancos e barrancos, movida pelas contradições e forças típicas da atuação humana. Foi preciso que houvesse a exacerbação golpista de Bolsonaro, desde sempre saudoso da ditadura, para que o país, enfim, tratasse de agir como adulto,de alguém dono do próprio nariz. Coube ao ex-capitão dar o motivo para que o país ingressar de vez na maturidade.

Os oposicionistas que negociaram a transição democrática entre o final dos anos 1970 e a década de 1980 chegaram num limite, tiveram que aceitar regras que preservavam a sombra do poder militar, corporação que sequestrara até mesmo a história: duvido que, passados 37 anos da promulgação da Constituição de 1988, seja possível encontrar, em documento das Forças Armadas, o uso da palavra ditadura para definir a ditadura que por aqui existiu longo de 21 anos. Quem não consegue sequer enfrentar a história não terá condições de encarar inimigos de carne e osso. 

Como berrou Galvão Bueno, acabou, acabou. Um fim marcado pelo voto duro e lírico da ministra Cármen Lúcia, um documento, como ela frisou, em que pulsa um Brasil que dói — muitas vezes, a dor é necessária. O acórdão que sacramentará as condenações entrará para a história, aponta para um futuro melhor.