Os que defendem a anistia como forma de pacificação do país omitem que a paz foi quebrada pelos que exerciam o poder e, agora, tentam escapar de punições. Anistia não pode ser um prêmio aos que, munidos de faca, pão e queijo, tentaram monopolizar e eternizar a feitura de sanduíches.
Ainda que movida principalmente pelo interesse dos militares de impedir que viessem a ser julgados e punidos pelos crimes cometidos na ditadura, a anistia de 1979 teve o papel de reintegrar à vida política e institucional brasileiros que, por diferentes meios, atuaram na luta contra o autoritarismo.
Representavam os que, em 1964, haviam sido alijados do poder por golpistas que, pela força, interromperam o processo democrático. Os articuladores e executores do golpe é que declararam a guerra, interromperam a vida institucional, derrubaram um presidente legítimo, cassaram mandatos, prenderam, torturaram e mataram.
O golpe de 1964 não foi dado pela parcela da esquerda que exercia o poder, não houve ali o que anos depois seria conhecido como autogolpe. No caso — e especificamente em relação aos integrantes desse grupo — é possível falar em pacificação em 1979, já que a medida recolocava na vida institucional pessoas que dela haviam sido expurgadas.
O interesse militar de livrar a cara de torturadores foi decisivo para que a anistia fosse concedida em 1979, no primeiro ano daquele que seria o último general-presidente, João Baptista Figueiredo. Era preciso aprovar a medida enquanto militares, graças a uma legislação excepcional, ainda controlavam o processo político, podiam ditar boa parte das regras do jogo.
Deixá-la para depois representaria um risco para os próprios fardados, que tentavam administrar uma abertura lenta, segura e gradual. Mesmo com seu caráter recíproco, que perdoou quem cometera o pecado original — o golpe em si —, a anistia foi um momento de descompressão, esvaziou as cadeias, devolveu direitos políticos.
Foi um momento em que poder ilegítimo anistiou aqueles que, primeiro, foram vítimas da ilegalidade. A quebra da constitucionalidade e a instalação de uma ditadura representaram o marco inaugural de um processo que, anos depois, geraria formas diferentes de resistência e de combate, como a tentativa de implantação de guerrilhas inviáveis. Atos que levaram a assaltos a bancos, sequestros de aviões e de diplomatas (estes, voltados principalmente para a libertação de presos vítimas de tortura).
A anistia de 1979 tinha, portanto, um aspecto reparador, o poder de fato admitia que era preciso acabar com a punição daquelas pessoas, já castigadas pela interrupção do processo democrático, muitas delas, vítimas da tortura. Já a anistia que agora se busca é uma tentativa de perdoar os que, no exercício do poder, tentaram explodir o Estado Democrático de Direito.
Ou seja, há uma tentativa de anistiar os que quiseram implantar um regime que, como qualquer outra ditadura, perseguiria seus adversários, inclusive, muitos dos que hoje pregam a concessão do benefício (ditaduras adoram punir alguns de seus aliados de primeira hora, a disputa de poder é implacável).
A história mostra que golpistas não perdoam sequer aqueles que os anistiam. A campanha contra o Brasil — e não contra o atual governo — conduzida nos Estados Unidos mostra que eles não têm limites, nem buscam interesses nacionais, são movidos apenas por seus próprios motivos particulares.
A punição aos que tentaram provocar o caos, incitaram militares e civis, que depredaram palácios e instituições é fundamental para garantir a paz. Eles sabiam o que estavam fazendo, o que queriam. Como qualquer outro criminoso, precisam pagar pelo que fizeram. Caso contrário, vão atacar mais uma vez, e não se sabe se o país resistirá a uma nova investida.