Militares anistiados em 1956 por Juscelino Kubitschek voltaram a atentar contra a democracia, até mesmo contra o mandato do próprio presidente que revogara suas punições. Alguns deles participariam do golpe de 1964, que cassaria o mandato de diversos políticos, entre eles, o do então senador Juscelino Kubitschek.
Um dos líderes da rebelião de Jacareacanga (PA) — deflagrada em 11 de fevereiro de 1956 e que só seria derrotada 19 dias depois — o major-aviador Haroldo Coimbra Veloso não deixou de exercitar seu compromisso com o golpismo: três anos depois, esteve à frente de outra tentativa de deposição de Kubitschek, a Revolta de Aragarças(GO). Em novembro de 1964, faria voos rasantes sobre o palácio onde o governador de Goiás, Mauro Borges, tentava resistir à cassação de seu mandato.
O almirante Carlos Pena Boto foi um dos oficiais que, em 11 de novembro de 1955, participaram de um levante que tentava impedir a posse de JK. Meses depois, ao apoiar a rebelião de Jacareacanga, seria punido com dez dias de prisão.
Pena Boto foi outro beneficiado pela anistia de 1956, que abrangia atos cometidos a partir do dia 10 de novembro do ano anterior. Em 1964, apoiaria a deposição do presidente João Goulart, conspiração que marcaria o fim de um ciclo golpista iniciado com a crise que, dez anos antes, culminara com o suicídio do presidente Getúlio Vargas.
Veloso, que em 1956, ao lado do capitão José Chaves Lameirão, sequestrara um avião da FAB carregado de armas e explosivos e o levara para Jacareaganca, chegou a ser preso ao fim dos confrontos com tropas legalistas.
Promovido a tenente-coronel aviador em janeiro de 1958, ele, em dezembro de 1959, teria como cúmplice na revolta de Aragarças o tenente-coronel aviador João Paulo Moreira Burnier, que se tornaria célebre nos porões da ditadura.
A nova iniciativa golpista foi sufocada em 30 horas. Os dois trataram de fugir para o exterior e só voltaram para o Brasil em 1961, já no governo Jânio Quadros, que renunciaria ao mandato em agosto. Em dezembro, um decreto legislativo concederia uma nova anistia. A exemplo do que ocorrera com JK, Jânio também teria seus direitos políticos cassados em 1964.
Burnier foi um entusiasta do golpe, chegou a declarar que colocara dinamite no Palácio Guanabara para evitar que a sede do governo estadual fosse tomada por comunistas. Promovido a brigadeiro-do-ar, viraria chefe de gabinete do ministro da Aeronáutica, Márcio de Souza Melo.
Foi no exercício deste cargo que, em 1968, protagonizaria um dos mais cruéis planos terroristas da ditadura, a utilização do Para-Sar, Esquadrão Aeroterrestre de Salvamento da Aeronáutica, para cometer uma série de atentados que seriam atribuídos a comunistas, entre eles, a explosão do Gasômetro, depósito de gás que ficava na região central do Rio, ao lado da rodoviária.
Em seguida, 40 opositores do regime seriam sequestrados e jogados no mar. A trama foi abortada graças à resistência do capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, o Sérgio Macaco, que acabaria afastado da FAB.
Em 1971, Burnier era comandante da III Zona Aérea, no Rio, que abrangia a Base Aérea do Galeão, local onde o ex-deputado Rubens Paiva sofreria a primeira sessão de torturas. Meses depois, o local seria palco do suplício e assassinato do estudante Stuart Angel Jones, irmão da jornalista Hildegard Angel. Ele teve a boca amarrada no cano de descarga de um jipe e foi arrastado pelo pátio da base.
A morte de Burnier, em 13 de junho de 2000, foi mantida em sigilo por sua família, e só seria noticiada uma semana depois, o local de seu sepultamento não foi divulgado. O viaduto que fica entre o Gasômetro e a rodoviária ganhou o nome do capitão Sérgio de Carvalho.
Por: Fernando Molica
Anistiados em 1956 continuaram golpistas