Trump é que atua movido por ideologia, Tarcísio

Não dá para classificar de econômica ou técnica a decisão do secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, de cancelar a reunião com o ministro da Fazenda brasileiro, Fernando Haddad.

Por Fernando Molica

Tarcísio com o boné que exibe a marca de Trump

Ao cassar o visto de brasileiros que dirigiram o programa Mais Médicos, o presidente Donald Trump reafirmou sua truculência e tirou de governadores de direita o argumento de que o presidente Lula (PT) deixa que a ideologia determine sua posição em relação aos Estados Unidos.

O gesto do ocupante da Casa Branca está oficialmente relacionado ao fato de o programa contar com um bom número de médicos cubanos, país socialista que há décadas sofre um bloqueio por parte dos EUA. Ou seja, é Trump, e não Lula, que utiliza questões ideológicas ao tratar do caso que afeta a economia brasileira.

Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) é um dos que mais têm insistido na versão de que o Palácio do Planalto prioriza questões ideológicas e não econômicas e técnicas para tratar do tarifaço: isso impediria até mesmo que ele, Lula, tomasse a iniciativa de telefonar para Trump para negociar.

O problema é que as sucessivas atitudes do presidente norte-americano indicam que, apesar do sinal verde que concedeu para uma eventual ligação do colega brasileiro, há mesmo o risco de ocorrer o que Lula previu, e Trump não aceitar conversar.

Não dá para classificar de econômica ou técnica a decisão do secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, de cancelar a reunião com o ministro da Fazenda brasileiro, Fernando Haddad.

A própria insistência do governo dos norte-americano de condicionar o fim das punições ao encerramento do processo contra Jair Bolsonaro demonstra o quanto eles levam em conta a questão ideológica. Não haveria tamanho esforço e tanta chantagem caso o ex-presidente não fosse, assim como Trump, um líder de extrema direita.

Em sua primeira passagem pela Casa Branca (2017-2021), ele não fez qualquer esforço para tentar libertar Lula, que foi preso em 2018 e saiu da cadeia no ano seguinte. O então ex-presidente havia sido condenado num processo que, como tardiamente reconheceu o Supremo Tribunal Federal, era cheio de falhas e de pedaladas jurídicas.

Naquela época, governantes e políticos de esquerda de outros países deram declarações favoráveis a Lula, mas nenhum deles tentou intervir na Justiça brasileira, acenou com punições comerciais ou institucionais caso o petista fosse condenado e preso.

Político, Tarcísio sabe que, no fim das contas, tudo, por bem ou por mal, passa pela política. A própria guerra — guerra mesmo, com tiros e explosões — é uma forma radical de se fazer política. Ao pressionar o Brasil, Trump apenas retoma uma tradição intervencionista típica dos EUA, especialmente nas Américas. 

A diferença é que ele, diferentemente de muitos de seus antecessores que ajudaram a derrubar tantos chefes de governo pelo mundo, não disfarça, joga às claras.  Acha que tem o direito de definir os rumos de países, de mandar no Supremo Tribunal Federal. Uma forma mesquinha e agressiva de fazer política, que se vale apenas do poder dos EUA.

Um jeito também que honra a tradição de hipocrisia norte-americana, que sempre dividiu ditaduras entre as amigas e as inimigas, e que manteve negócios com todas (Cuba é uma exceção, mesmo assim,  voos entre os dois países continuam a ser operados por companhias dos EUA como a American Airlines—- ontem, oito voos vindos de Havana pousaram em Miami).

Sim, existe uma questão ideológica por trás disso tudo, uma associação entre a família Bolsonaro — especialmente, Jair e Eduardo — e governo Trump. Uma parceria público-privada entre forças de extrema direita que conspiram e atuam contra o Brasil e suas instituições. Nesse caso, governador Tarcísio, a bomba ideológica tem que ser desarmada por quem a montou.