João Bosco entre frutas e cangotes
O Vivo Rio deveria levar para o interior da sala parte dos flanelinhas que, do lado de fora, quase se estapeiam na disputa por carros dos espectadores. Eles, na plateia, organizariam a entrada e saída nos diminutos espaços reservados ao público.
O nome do novo — e ótimo — show de João Bosco é "Boca cheia de frutas", mas, em homenagem ao aperto do público que foi ao Vivo Rio na sexta, o título poderia ganhar um complemento, algo como "e a visão ocupada por cangotes".
Os administradores da casa de espetáculos carioca devem considerar excessivo o espaço que companhias aéreas destinam aos passageiros da classe econômica. Mesmo adultos de estatura média e não obesos têm dificuldades para se encaixar nas cadeiras dispostas nas mesas da plateia.
Talvez até seja o caso de o Vivo Rio levar para o interior da sala parte dos flanelinhas que, lá fora, quase se estapeiam na disputa por carros dos espectadores. Com seus coletes de cores ácidas, eles, na plateia, organizariam a entrada e saída nos diminutos espaços reservados ao público: "Entra de ré! Desfaz! Um pouquinho pra direita, devagar...".
Para aumentar a capacidade da casa, metade das cadeiras é colocada de costas para o palco, o que obriga espectadores a mudá-las de posição. Como não há espaço para o necessário giro de 180 graus, o jeito é virá-las parcialmente e usar o pescoço para que os olhos alcancem o artista.
Mas a exiguidade do espaço complica até mesmo esse movimento de 90 graus: ao fim da manobra, o sujeito fica imprensado entre a mesa e outros três espectadores. A situação fica um pouco menos complicada para quem, nos extremos das mesas, conseguir expandir seu território para os corredores que deveriam garantir a circulação — e tome de pernas pra lá e pra cá quando as garçonetes passam.
Uma simples ida ao banheiro tem que ser precedida de movimentos como os habituais em garagens de prédios mais antigos, em que é preciso, primeiro, manobrar o carro que estiver estacionado à frente. A ocupação dos corredores gera um problema adicional, já que complicaria qualquer necessidade de evacuação imediata do espaço em caso, por exemplo, de um incêndio.
E chegamos, enfim, aos cangotes. O cubículo destinado aos espectadores cria uma convivência forçada com pescoços alheios, que ficam ali, a centímetros de distância. Dá pra conferir o perfume de quem está ao lado.
Os que ganham vizinhos mais altos sofrem com um problema adicional, o de encontrar espaço para ver o show: os ângulos são determinados pela movimentação da cabeça de quem está bem na sua frente. Se ela vai pra esquerda, você vira pra direita; e vice-versa, uma sucessão de manobras que independe do ritmo das canções apresentadas.
Pior é ficar grudado num casal apaixonado: além da sensação de ter sido convocado para participar de um trisal, o espectador ainda é obrigado a fazer movimentos extras para ver o palco cada vez que os dois decidem se beijar.
Antes do início do show, o Vivo Rio anuncia seguir os padrões internacionais das casas de espetáculos, uma provável referência aos currais onde são confinados animais que participam de touradas ou rodeios.