Por: Fernando Molica

O risco Trump para a humanidade

As sanções são um alerta ao Direito Internacional | Foto: Isac Nóbrega/PR

As consequências das medidas protecionistas decretadas por Donald Trump têm tudo para, de maneira aparentemente contraditória, fortalecê-lo e empurrar ainda mais o mundo na direção do abismo. 

Mentiroso contumaz, montado numa máquina de desinformação agora insuflada por Elon Musk, Trump não terá o menor pudor de culpar os inimigos da América — praticamente todo mundo, segundo ele — por resultados prováveis da taxação de importações, como aumento de preços para o consumidor, desabastecimento e até falta de energia. Fará o mesmo se restrições à importações de produtos norte-americanos causarem desemprego por lá.

Os Estados Unidos não são um gigante importador por caridade, porque gostam de ajudar outros países. Compram do exterior por razões comerciais e estratégicas. Adquirem o que não podem produzir e o que lhes é mais vantajoso.

Boa parte da exportação brasileira de manufaturados e de semimanufaturados para os Estados Unidos é de produtos fabricados aqui por subsidiárias de empresas de lá, que se aproveitam de incentivos e de condições como os baixos salários brasileiros.  

Trump, que acusou imigrantes famintos de comerem gatos e cães, que mente de maneira compulsiva, vai culpar os países por ele punidos de serem os verdadeiros responsáveis pela inflação e pelo desemprego que vierem no vácuo de suas medidas.

A história trumpista mostra que ele não terá dificuldades para convencer boa parte da população de que a culpa dos problemas vem de outros povos. Ele tem insistido no discurso de vitimização, algo que chega a soar irônico quando levamos em conta o que os Estados Unidos já aprontaram pelo mundo.

O que está em curso é perigoso demais, até porque ele é explícito ao falar da anexação de territórios estrangeiros. A história está cheia de exemplos de líderes que culpam um outro — um país, um povo, uma etnia, os adeptos de determinada visão de mundo — pelas próprias mazelas. As ameaças à Groenlândia e ao Canadá fazem lembrar o conceito de Lebensraum,  espaço vital, que Adolf Hitler usou para justificar a invasão de outros países.

Não vale argumentar que os norte-americanos jamais aceitariam isso. De novo, a história: quem imaginaria que milhões de alemães respaldariam Hitler, que outros tantos italianos exaltariam Mussolini? Os Estados Unidos já arrumaram desculpas esfarrapadas para enviar tropas ao Vietnã, para incentivar /promover golpes em países como Chile e Brasil, a lista é imensa.

O que ocorre por lá é ainda mais grave quando lembramos do tamanho e da importância do país, Trump não é ditador de uma ilhota caribenha, mas o presidente da mais poderosa das nações. 

Só o fato de ele ter sido escolhido pela maioria dos eleitores revela a gravidade da situação — e ele, justiça seja feita, nunca escondeu quem é. Quem votou nele é capaz de dobrar a aposta.

Características da sociedade norte-americana complicam a situação. Trata-se de um país um tanto quanto autocentrado, que se vê meio fora do ambiente global. Por lá, as principais competições esportivas não são as internacionais, mas disputadas entre eles. Eles são o cinema, o show business, a indústria, a moda, o idioma, a moeda internacional. Como gostam de dizer, a América é a número 1 — e eles não dão a menor bola para quem está em segundo lugar.

A disputa com a então União Soviética era — como muita gente gosta de dizer — precificada, os lados estavam bem definidos. Hoje, a briga é outra, a China demonstra jogar muito bem no campo do adversário, os EUA não estavam preparados para essa versão de Pearl Harbor calcada na produtividade, na eficiência e na alta tecnologia. Tentam, agora, preparar uma virada de mesa que coloca toda a humanidade em risco.