Por: Fernando Molica

Punhal Verde e Amarelo feriu a carne de aliados

Articuladores do golpe usaram mentiras para estimular manifestantes | Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Os condenados pela intentona de 8 de Janeiro deveriam direcionar sua raiva não para o ministro Alexandre de Moraes e o Supremo Tribunal Federal, mas para aqueles que os incentivam a entrar nessa roubada.

Os dois mil investigados, os 371 condenados e os 527 que fizeram acordos para escapar da prisão foram bucha de canhão dos que tentaram derrubar a democracia, acabaram vítimas da operação Punhal Verde e Amarelo.

Basta que leiam a denúncia apresentada contra Jair Bolsonaro e seus aliados apresentada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet. Fica evidente que a cúpula do que a PGR chama de organização criminosa insistiu na fake news da fraude eleitoral para gerar comoção entre eleitores bolsonaristas e incentivá-los a fazer manifestações e o quebra-quebra golpistas.

O estilo didático de Gonet facilita a leitura. Esgotadas as possibilidades institucionais de questionamento da lisura do pleito, só havia um caminho disponível: gerar um caos no país que justificasse a intervenção das Forças Armadas para botar ordem na casa e defenestrar o presidente Lula — mais do que isso, os caras pretendiam matá-lo.

Como, na época, escreveu para a mulher o tenente-coronel Mauro Cid, que, de faz-tudo de Bolsonaro passou a conta-tudo pra Polícia Federal:  "Se o EB (Exército Brasileiro) sair dos quartéis… é para aderir". Quatro dias antes do 08/01, Cid, num diálogo com outro golpista, comentou, sobre a possibilidade de alguma coisa acontecer e se seria boa ou horrível: "Depende para quem. Para o Brasil é boa", respondeu.

Para Gonet, a afirmação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro "confirma que a organização criminosa tinha pleno controle sobre as manifestações antidemocráticas espalhadas pelo país". 

Vocês — que ficaram acampados dias e dias, tomaram chuva, comeram churrasco frio, usaram banheiros químicos, tacaram pedras e quebraram sedes dos poderes — foram enganados. Bolsonaro e sua trupe sabiam que as urnas eram seguras. Gonet ressalta que o discurso sobre fraude eleitoral começou a ser incentivado por Bolsonaro em julho de 2021, quando as pesquisas começaram a mostrar o favoritismo de Lula.

Numa live, o então presidente tratou de levantar desconfianças em relação à urna eletrônica e aproveitou para colocar as Forças Armadas no jogo, como se militares fossem especialistas em eleições (logo eles, que cassaram o voto popular quando estavam no poder).

Ao lado de Bolsonaro estavam  dois ministros: o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, e o da Justiça, o delegado da Polícia Federal Anderson Torres. Este, na live, questionou a segurança das urnas, falou que não eram auditáveis. Ouvido pela PF, o ministro afinou. Disse que "não foi possível depreender do material que teve acesso a existência de fraude ou manipulação de voto". Como escreveram Aldir Blanc e João Bosco, quando o pastor late forte, o bassê faz piu-piu.

Heleno, o oficial que deixou marcas dolorosas no Haiti ao comandar tropas da ONU — e que nunca perdoou Lula por ter sido retirado de lá — insistiu na mentira. Na agenda que ganhara da Caixa, tratou de esmiuçar os planos do vem pro golpe você também. Segundo ele, era preciso "estabelecer um discurso sobre urnas eletrônicas e votações". 

Vocês que estão presos nesse calorão têm tempo para ler a denúncia e, talvez, discernimento para entender que caíram numa armadilha. Agora, seus verdadeiros algozes falam em anistia — no fundo, não pensam em vocês, mas nos chefes da tal organizaçao criminosa. Vocês sabiam o que estavam fazendo quando partiram para o tudo ou nada, não escondiam seus propósitos golpistas, a tal da intervenção militar: só não sabiam que seus ídolos haviam apontado o punhal pra vocês.